Dou-me conta de que não leio Gaveta de papéis por ele próprio mas como repositório de indícios esparsos para re-ler os romances de José Luís Peixoto. Não me pergunto porque não se me impôs este livro, não tenho tempo para todos os meus devaneios e impasses. A questão é nunca confundir isto com um juízo crítico, mesmo que o adornemos com umas quantas justificações sobremaneira intelectualizadas.
Indícios para re-ler. Isto, por exemplo, pode ser uma descrição exacta e “explicativa” de algumas cenas espectrais dos seus romances: “Faço perguntas às minhas próprias dúvidas e lembro-me de um filme antigo quando percebo que não respondem: silêncio a preto e branco.” (p. 22). E depois há esse poema “Eu sou eu sempre, mas sou também a Dona Adelaide”, em que um pouco à maneira interseccionista se vão fundindo gradualmente as vozes do “eu” e da Dona Adelaide, até desembocar numa voz narrativa que é dialógica não tanto porque dê espaço ao discurso indirecto livre de cada personagem mas porque é em si mesma o espaço onde esses discursos se constroem como interdependência e desdobramento a perder de vista (daí as repetições, a litania, uma fala única com cambiantes, que são o lusco-fusco das personagens, mais do que com “identidades” diluídas, como é o caso em Lobo Antunes).
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