Fora de tempo # 28

 
“Aquilo em que os grandes autores são mestres é a autoridade. Qual é  a origem da autoridade, ou daquilo a que os formalistas chamavam o efeito de autoridade? Se a autoridade pudesse ser alcançada apenas por truques de retórica, Platão teria certamente justificação para expulsar os poetas da sua república ideal. Mas se a autoridade só puder ser atingida abrindo o eu-poeta a uma força superior, deixando a pessoa de ser ela própria e começando a falar profeticamente?” (p. 167-168)
O que é uma força superior? Não é Deus, a História, o Partido, a Musa, a Pátria, coisas assim. Uma força superior é qualquer coisa que se nos impõe, sem sentido pré-dado, e que nos arrasta até lá, para que o saibamos por fim sem realmente o possuirmos. Uma fala profética não é a fala que sabe mais do que os outros, é a fala que diz aquilo que não sabe.
Nos romances, as personagens “conseguidas” costumam ser bons exemplos de “forças superioras”. Mas esta forma de expressão já trai o essencial e apenas mostra a nossa dificuldade em lidar teoricamente com isto. Uma personagem “conseguida” não é conseguida pelo autor, mas consentida pelo autor, e quantas vezes contra ele próprio. A vantagem de um Grande Velho é que já se está bastante nas tintas para ele próprio — o que vem através dele já não encontra tantos obstáculos, tantas pseudo-certezas. E contudo, a coragem de um Grande Velho não tem paralelo: o vazio que reconhece em si, e que deixa espaço largo para o trânsito do que não sabe, é já o passo adiantado da morte. Para a qual caminha decididamente. 

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