O trabalho de Abbé Pierre com os mais excluídos dos excluídos foi sempre uma bofetada de luva branca em todos nós. Até porque aproveitou como riqueza aqueles bens que todos os dias deitamos fora sem quaisquer considerações de re-aproveitamento.
Barthes falou (bem) da iconografia de Abbé Pierre, da sua imagem de apostolado, da sedução romântica do engagement religioso de cariz social em época de emagrecimento da crença em deuses e revoluções. Mas perguntava-se se o reconhecimento dessa imagem não funcionaria como desculpa silenciosa para deixar cair a exigência de justiça social, tomando em seu lugar o glamour da caridade — que naturalmente exige a abnegação e entrega que não estão ao alcance dos normais.
Compreendo Barthes. Mas tanto quanto sei, não era assim que Abbé Pierre se via a si mesmo nem era assim que entendia o sentido do que fazia. E se a sua actuação descansava algumas consciências — do que não tenho dúvidas —, o problema não está nos seus actos mas em nós: se não fosse ele a desculpa, outra coisa seria (quase sempre a desculpa esfarrapada de que isto de pobres e ricos há-os desde o início dos tempos).
O que sei, isso sim, é que Abbé Pierre fez um trabalho que competia ao todo da sociedade fazer de forma organizada. Louvor para ele, vergonha para nós enquanto sociedade civil.
Pequeno desabafo: felizes dos que têm um Abbé Pierre, já podem ter menos vergonha de ter um bispo da Guarda.
Abbé Pierre, uma nota e um desabafo
Luís Mourão
25.1.07 |
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