Cara Amiga M.:
Pergunta-me como é que eu posso dizer com esta tranquilidade que a vida intra-uterina é vida humana e defender o “Sim”.
Deixe-me tentar explicar porque digo que a vida intra-uterina é vida humana. Vou ter de usar uma imagem forte, mas quero fazer-me entender bem. Se encontrarmos num mesmo balde os restos de um aborto e os restos de um vitelo, temos meios científicos, incontestáveis, para identificar os tecidos da espécie humana e os tecidos do vitelo.
Considere agora que uma pessoa morre. Sabia que as unhas e os cabelos continuam a crescer durante um certo tempo? Estranho, não é? Mas é um facto que continuam a crescer. São unhas e cabelos humanos, e temos os mesmos meios científicos e incontroversos para o provar. E contudo, ninguém discute que se trata de um cadáver. É por isso que dizer vida humana pode ser dizer muito pouco, pensando que se diz tudo.
A questão é: quando é que há pessoa? Mas a essa pergunta só tenho dúvidas como resposta. Eu sei que a M. não tem dúvidas, tem princípios, e tem toda a legitimidade para os ter, tanta legitimidade como eu tenho para as minhas dúvidas. Não lhe imponho as minhas dúvidas, como a M. não deveria querer impor-me os seus princípios.
Mas imagine que eu tinha uma resposta relativamente incontroversa acerca de quando um feto começa a ser pessoa. Mesmo assim, restaria uma outra questão: porque é que o feto há-de ter mais direitos do que a mãe, sobretudo se durante nove meses os direitos do feto se exercem inteiramente a expensas dos direitos da mãe?
A questão do tempo é aqui crucial. Repare que há consenso sobre o facto de o infanticídio ser incomparavelmente mais grave do que o aborto. E mesmo para quem defende a sacralidade da vida humana desde o momento da concepção, é mais grave e culposo abortar aos oito meses do que às oito semanas. Dir-se-ia que à medida que o tempo passa, o feto vai ganhando direitos, porque se vai aproximando da sua autonomia. E vai também ganhando direitos porque a mãe lhe vai concedendo direitos. Vai consentindo. Vai aprovando. Há um tempo para decidir, o resto do tempo é para honrar essa decisão. Mas quem decide não abortar, não lhe chama tempo para honrar a decisão. Com mais ou menos adjectivos, chama-lhe estar grávida. Mas houve uma decisão.
A M. dirá que esta decisão de continuar a gravidez é a única decisão legítima. Eu compreendo-a muito bem e acho perfeitamente legítimos os seus princípios e crenças. Mas porque não continua a lutar por eles, tentando persuadir, que é o que se deve fazer quando se luta por princípios e crenças? Persuadir não é tentar impor através de uma Lei os seus princípios, persuadir é tentar convencer a liberdade de alguém a escolher agir de uma forma que nós achamos que é mais correcta e justa. Mas para isso é preciso que a pessoa disponha de facto dessa liberdade de escolha. A mesma liberdade de escolha que permite à minha cara amiga M. defender os princípios que defende e tentar persuadir outros da sua justeza.
Um beijo da sua
Leitora
A Leitora, no seu infinito particular (XL)
Luís Mourão
15.1.07 |
0 Comments
|
This entry was posted on 15.1.07
You can follow any responses to this entry through
the RSS 2.0 feed.
You can leave a response,
or trackback from your own site.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
0 comentários:
Enviar um comentário