O Senhor Walser # 12. Fim de partida. Expectativas. Maioria ocidental.
Luís Mourão
24.1.07 |
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O que quer que venha a acontecer à sua casa, Walser recusará sempre o apelo do exterior. É esse o seu primeiro fim de partida: nada fora da racionalidade absoluta da casa. Um fim de partida voluntário, se se podem pôr as coisas nestes termos. Recusando o apelo do exterior, a condição de Walser, presume-se, será sempre a de um homem cheio de expectativas. Com a casa regressada à condição de estaleiro, ou com a casa pronta a habitar, Walser desenha para si próprio as mesmas inquebrantáveis expectativas. É esse o seu segundo fim de partida, agora involuntário: da realidade que deseja, Walser conhecerá apenas as expectativas, pois a realidade que deseja mora toda ela no exterior da casa. Como pode vir o exterior para dentro sem afectar irremediavelmente o dentro, afectando no mesmo passo as expectativas que o dentro gera? Não querendo o risco do exterior, Walser coloca-se naquela situação involuntária, mas muito comum, de desejar não só o que dificilmente terá, como também de desejar aquilo que não tem condições de saber se corresponde ao seu verdadeiro desejo.
Neste sentido, é quase irrelevante que, na dimensão estrita da história que nos é contada, as coisas terminem bem ou mal ou assim-assim. A sorte de Walser, em boa verdade, não passa por aí. Mas na medida em que a sorte de Walser, ou aquilo que dela podemos saber com rigor agora, é ilustrativa do livro, o fim dele não pode deixar de ser significativo.
Numa casa regressada à sua condição de estaleiro e onde já não consegue encontrar o seu quarto, Walser adormece num corredor, “encostado a uma das paredes — a que haviam, reparara agora, retirado o rodapé” (p. 38). Adormece “tranquilo, pensando no dia seguinte. Tinha grandes expectativas.” (p. 38).
“Grandes expectativas” é a derradeira expressão do livro. Walser ilustra bem que a racionalidade absoluta nunca se deixa instruir sobre a relatividade do seu absoluto: perderia o gozo, o contentamento. As expectativas são de facto o conector, mas são como um cabo partido que é já incapaz de ligar: reconhece-se claramente a sua função, mas percebe-se que só imaginariamente ela poderá ser executada.
Walser não é exactamente um optimista ingénuo ou um ingénuo ignorante das consequências da vida prática. Na verdade, os tempos já não permitem tais características, a não ser como pequenos percalços da chamada psicologia do desenvolvimento. Walser toma “grandes expectativas” como outros tomam ansiolíticos, recortando da realidade o circuito fechado daquilo com que conseguem lidar. Ora, um pedaço da realidade não tem as características orgânicas da realidade, tem a forma da realidade e simula a vida da realidade. A racionalidade absoluta da casa de Walser é esse pedaço da realidade: tem a forma do acolhimento e da protecção, mas simula o acontecimento através da expectativa. Neste sentido, as expectativas de Walser nunca serão defraudadas, apenas darão origem a novas expectativas ou à queixa contra a impossibilidade de reunir as condições próprias para o cumprimento das expectativas. Walser defende-se da decepção e defende-se de si mesmo enquanto decepção. Por isso, de todos os habitantes ou vizinhos do bairro, Walser é, no fundo, o mais parecido com a maioria humana ocidental de inícios do século XXI.
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