Quando um autor erra, a obra nasce. Quando um autor se engana, o artefacto-livro é devolvido à procedência. Isto porque os CTT, regra geral, têm funcionado bem. Foi assim que um engano na morada fez com que O Senhor Walser, e falo do artefacto-livro, fosse devolvido ao seu autor.
Entre o autor ter enviado o artefacto-livro e a devolução decorreu mais tempo do que aquele que seria estritamente necessário para enviar o livro para a morada certa e de lá o terem devolvido de novo ao autor no dia seguinte. Este facto é compreensível. Os carteiros são seres diligentes, ainda que Peter Handke tenha falado de uns mais dados a angústias metafísicas: não se atreviam a entregar a correspondência, tal a responsabilidade e temor pelas notícias que transportavam. Não era aqui o caso, não por se tratar de um artefacto-livro, menos ainda por esse artefacto-livro ser O Senhor Walser, mas porque, metafisicamente falando, os carteiros portugueses, bem como os carteiros em geral, não são dados a tais estados de alma. Os carteiros são seres diligentes — mas acho que já disse isto. Ao fim de um certo tempo, embora não vivam nos bairros ou lugares onde fazem a distribuição — há uma política severa quanto a isso, ou se não há deveria haver —, conhecem os nomes de toda a gente. Imagino que o carteiro percebeu de imediato que aquele nome não pertencia àquela morada. Mas teve de verificar, claro. Nunca se sabe quando alguém vai de visita, ou quando se muda de casa, ou até mesmo quando alguém que afinal sempre lá viveu recebe a sua primeira carta. Imagino também que o carteiro, durante três ou quatro dias, tenha perguntado a outros carteiros se nos seus bairros ou lugares haveria uma rua com aquele nome, facto mais comum do que se imagina. E sei de ciência certa que a viagem de devolução de O Senhor Walser ao seu autor (falo do artefacto-livro) levou mais tempo do que a viagem de ida das mãos do autor até à morada errada. A velocidade é diferente quando se pretende alcançar o seu destino e quando se regressa desenganado do seu destino. São coisas que se sabem, não carecem de mais argumentação.
O autor insistiu, agora com a morada certa. Assim se explica que ontem, pelas 14.23h, tenha recebido da minha mulher a seguinte sms: “Veio minúsculo Sr Walser”. Diga-se que a minha mulher está habituada aos grossos tratados filosóficos, e sofre, com toda a naturalidade, das habituais deformações profissionais que a levaram, às 14.27h, a mandar-me uma nova sms: “Até pensei k fosse 1 livro d poesia”. Explicados os mistérios ao jantar, o livro chegou em boa hora, tendo conseguido aterrar incólume entre duas tempestades que me inutilizaram as contas da edp e da sapo. O que vale é o número de cliente.
O autor comentou: “Como diria – na lógica do sr. Valery: é pequeno, mas, em compensação, demorou muito tempo a chegar.” O que nos leva de volta ao início, ainda que tal coisa seguramente não exista: quando um autor erra, a obra nasce; quando um autor se engana, o livro-artefacto faz uma viagem maior. E emagrece no esforço. Vou levá-lo agora comigo ao ginásio. No intervalo entre os cardio-vasculares e as vinte piscinas, descansaremos ambos, e ele melhor. “Sejamos claros, sem entrar em pormenores: Walser tinha grandes expectativas”. O que só pode querer dizer que a coisa vai acabar mal. Precisamente, uma das condições para a obra acabar bem.
O Senhor Walser # 1. Erro. Viagem. Expectativas.
Luís Mourão
4.1.07 |
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