O Senhor Walser # 3. Capítulo III. Conexão. Deriva-eu-Walser.
Luís Mourão
6.1.07 |
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“Como Walser está contente! Mal se abre a porta de sua casa — sente ele — entra-se noutro mundo. Como se não fosse apenas um movimento físico no espaço — dois passos que se dão — mas também uma deslocação — bem mais intensa — no tempo. [...] Quando fechava a porta atrás de si, Walser sentia virar as costas à inumana bestialidade (de que saíra, é certo, há biliões de anos atrás, um ser dotado de uma inteligência invulgar — esse construtor solitário que era o Homem) e entrar em cheio nos efeitos que essa ruptura entre a humanidade e a restante natureza provocara; uma casa no meio da floresta, eis uma conquista da racionalidade absoluta” (p. 13).
Desde o primeiro capítulo, Walser está contente. E ao terminar o segundo capítulo, tal contentamento reveste-se da expectativa de que a nova casa lhe traga “um beijo apaixonado, o encontrar de uma companhia definitiva” (p. 12). Eis então a coisa estranha: como pode uma casa que é uma conquista da racionalidade absoluta criar a expectativa de um beijo apaixonado? Qual a conexão entre racionalidade absoluta e beijo apaixonado? É essa conexão real ou ilusória? Ou não se deixa definir por nenhum destes termos?
Uma coisa é certa: Walser está contente. Será este o conector entre racionalidade absoluta e beijo apaixonado? A intensidade do contentamento como conector? Em boa verdade, agora que o escrevo, tenho de reconhecer que às vezes, no decorrer de uma aula, quando me acontece pensar aquilo que o pensamento exige pensar, sou tomado de um contentamento infantil que se poderia definir pela alegria da racionalidade absoluta. Pois bem. Esse contentamento leva-me a querer beijar apaixonadamente as alunas. Esse contentamento é, em todo o rigor dos termos, “essa ânsia no fundo de um clima racional de convívio” (p. 11).
Claro que as alunas, porque observam um pouco de fora o acontecimento do pensar, não são tomadas pela alegria da racionalidade absoluta, e por isso nunca entenderiam a verdadeira dimensão dos beijos apaixonados de um professor enquanto professor. Digamos que esta é a condição empírica da racionalidade absoluta numa sala de aula, e por isso uma sala de aula nunca é uma casa.
Mas voltemos a Walser, ele goza de uma outra liberdade. Como personagem de ficção não está sujeito ao mesmo regime jurídico-moral de um professor. Quando Walser está contente, está mesmo contente. E pode ser consequente com o seu contentamento, pode desejar até ao fim todas as consequências da conquista da racionalidade absoluta. A racionalidade absoluta, como facilmente se entenderá, é da dimensão do gozo. Escrito em francês de lei lacaniana, percebe-se melhor: jouissance. Razões acrescidas para Walser alimentar grandes expectativas. E razões acrescidas para tudo terminar mal, como bem sabemos destas coisas, tenhamo-lo ou não aprendido com Lacan. Mas levanta-se-me aqui uma outra dúvida, e tenho de voltar à questão de professor e aluna. Ou para ser mais exacto, a exactidão de um caso particular e mediático, à questão de uma certa professora e de um certo aluno.
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