O Senhor Walser # 9. Ressalva. Teoria. Catástrofe.
Luís Mourão
19.1.07 |
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Mas antes de avançarmos nos problemas do Senhor Walser, uma ressalva. Ainda a questão da teoria. Ao contrário dos outros senhores que habitam o bairro, o Senhor Walser não tem um ethos claramente teórico. Não se enreda em raciocínios que desembocam no absurdo, dando a ver o cómico que decorre do uso de uma lógica estritamente lógica, para dizê-lo rapidamente. Não experimenta no seu agir do dia-a-dia os impasses, também cómicos ou vagamente trágicos, que derivam de viver segundo a teoria. Walser pouco pensa — ou melhor dito, pouco sabemos do que Walser pensa —, Walser tem sobretudo expectativas. Walser pouco age: na situação em que o encontramos na história, Walser espera apenas que se concluam as condições, não tanto para poder agir, mas para que possa acontecer a realidade das suas expectativas. Contudo, Walser é o mais propriamente teórico de todos os Senhores que até agora nos foram apresentados. Porquê? Porque toda a teoria se consubstancia nessa conquista da racionalidade absoluta que é a sua casa. Ele limita-se a habitá-la. Pressupõe-se que a desejou tal e qual, verifica-se que está contente com ela, e é notório que se quer instalar dentro dela como dentro de um sistema fechado e perfeito. Supostamente, a teoria diz o mundo. Na verdade, pretende substituir-se a ele. Para além das vagas razões que nos são dadas para que a casa de Walser esteja distante do todo do bairro, as razões da teoria explicam muito bem esta necessidade de distância. Mesmo que necessidade não seja a palavra mais adequada. Ou então deveríamos falar de necessidade estratégica. Longe do mundo, para não ser contaminado por ele e consumar a vitória sobre ele: o triunfo da racionalidade absoluta.
Mas é precisamente nesta distância que a teoria está mais exposta. No bairro, o cómico pode ainda ser modo de vida: não somos todos bastantes ridículos, quando nos olhamos nas pequenas manias que nos individualizam? Não escreveu Freud uma psicopatologia da vida quotidiana? Se toda a teoria, como sabemos, deve o seu poder de explicação à sua parcialidade inevitável — o pormenor e o todo não são visíveis simultaneamente —, a vida do bairro, na sua diversidade, mostra-se capaz de estabelecer conexões entre as moradas individuais, isto é, entre as parcialidades. Conexão difusa que seja, o do simples cruzar das pessoas na sua vida diária. Ou até conexão ilusória, quando pensamos que meras contiguidades ou cruzamentos a-significativos podem constituir fluxos sociais de informação. Quando o absurdo segue em direcções diferentes e em todas as direcções possíveis, é inevitável que muitas dessas direcções acabem por ser aquelas que seriam seguidas por pensamentos e comportamentos razoáveis. Mas quando a teoria (ou a casa) está sozinha e pretende auto-suficiência, todos os seus não-ditos e os seus interditos, uma vez postos em movimento, se aceleram mutuamente. Não há casas ao lado ou teorias vizinhas que possam amortecer este movimento. Esta aceleração, já o dissemos, é a catástrofe, a lógica do material em liberdade.
Agora sim, podemos passar conclusivamente aos pequenos problemas da casa que, durante a manhã, se vão apresentando a Walser.
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