Bom, não foi no Japão, foi no Theatro Circo, na noite de terça. Mas eu explico.
No ano passado, na Casa de Música, Mehldau apresentou-se com o seu novo trio. Concerto notável, apesar das reticências da crítica dos jornais. Consolidação da música do trio, com Mehldau a deixar todas as despesas rítmicas bem entregues aos seus companheiros e a poder libertar-se para as suas derivas. Mas não era ainda o tempo da inovação daquele trio, e é preciso saber respeitar os tempos. No resto, tudo esteve em altíssimo nível.
Agora, a solo, tal como foi possível ouvi-lo em Braga, Mehldau está no seu tempo de pesquisa, disposto a desfazer grande parte daquilo que até agora fez, para encontrar o novo pelo avesso. As suas pontes com a “música erudita contemporânea”, a sua capacidade de ritmos com grande massa de notas, quase escondendo os motivos singulares, o seu martelar ostensivo à procura de uma linha nova, tornaram o seu concerto exigente, com momentos em que se temeu alguma deambulação sem saída, mas com outros momentos de puro génio, que quase tornavam retrospectivamente necessária essa deambulação. Composições que Mehldau prolongou até limites à beira do insuportável, numa viagem muito particular pela sua formação musical — é mais visível do que nunca o mundo “clássico” de que provém e o que pretende fazer com ele —, oferecendo-se desde a sua oficina, como às vezes os concertos também têm que ser.
Desde a segunda e longa composição da noite, lembrei-me muito do Jarrett que foi ao Japão depois dos seus aclamados discos/concertos a solo. Sun bear concerts, a caixa de seis discos dessa digressão de 1976 por algumas cidades nipónicas, tem momentos insuportáveis de auto-destruição de um estilo que se tinha colado a Jarrett. Mas isso foi o necessário para Jarrett passar a outro patamar, para o que também contribuiria a sua passagem por Bach.
Mehldau está nessa fase. No segundo encore da noite, dos vários pedidos da assistência, um ouviu-se distintamente: “Exit music (for a film)”, uma das mais belas canções do terceiro volume da arte do trio. Mheldau acedeu. Mas não concedeu. A melodia estava lá, mas Mheldau retalhou-a até encontrar o começo de outra coisa que é ela transfigurada.
Este é o tempo de mais uma passagem para Mehldau. Há grandes concertos de passagem e este foi um deles. O próximo disco a solo de Mehldau promete fazer história. Nessa altura, todos os que encheram o Theatro Circo poderão dizer: ouvimos nascer esse disco. E isso é também uma forma de felicidade.
Brad Mehldau no Japão
Luís Mourão
26.1.07 |
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