O primeiro irrepetível ou o primeiro de cada vez?

Por fim, levantei-me, aproximei-me da cama em bicos de pés e, sem me despir, pousei devagarinho a cabeça na almofada, como se tivesse medo de perturbar com algum movimento brusco o que transbordava dentro de mim... [Ivan Turguénev, O primeiro amor, Tradução de Nina Guerra e Filipa Guerra, Relógio D’Água, p. 38]

O amor não é o acontecimento. No acontecimento, as coisas acontecem — é tudo. O amor é quando o acontecimento é interrompido e o sujeito fica a sós com os restos imensos do que quer que tenha acontecido. Por isso o amor é cosa mentale, ou tempestade emocional que não tem a possibilidade de uma passagem imediata até ao outro, ficando a rodar na mente. Os que, como Vladimir, querem guardar cuidadosamente toda essa tempestade, têm a esperança de que, em breve, o acontecimento será reatado. É esta esperança a marca do primeiro amor, do irrepetível primeiro amor? Talvez. Mas os que aprendem com a experiência encontram a inesgotável generosidade do acontecimento: o primeiro que se repete de cada vez. E como Vladimir, guardam cuidadosamente tudo o que se reatará no reatar do acontecimento. Dizem até já, dizendo sem dúvida até sempre.

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