O diagnóstico de Enzensberger é acutilante. O seu conceito de “perdedor radical” como figura do terrorista é uma mistura, equilibrada no fio da navalha, entre uma caracteriologia psíquica e uma outra sociológica, ambas devedoras de uma modernidade que falhou tanto aos sujeitos como alguns sujeitos lhe falharam a ela. Eis uma síntese possível da figura do perdedor radical: “desespero pelas próprias insuficiências, busca de bodes expiatórios, perda de sentido da realidade, sede de vingança, delírio da masculinidade, sentimento compensatório de superioridade, fusão entre destruição e auto-destruição, desejo compulsivo de, por meio da escalada do terror, se tornar senhor da vida dos outros e da própria morte.” (p. 93). Isto no seio de um mundo globalizado em que, por um lado, os excluídos o são de um modo radical e sem precedentes, e, por outro, os movimentos islâmicos vivem em colectivo, e ao nível de complexo civilizacional, aquilo que os perdedores radicais vivem individualmente. Neste ponto, a caracterização do estado de desenvolvimento das sociedades árabes, apoiada em dados fidedignos, é verdadeiramente devastadora e explica algumas coisas.
Do meu ponto de vista, faltam apenas dois aspectos para o retrato ser mais completo. Uma reflexão sobre a perda do ideal de revolução e suas consequências no desenvolvimento da modernidade tardia — de alguma forma, os perdedores radicais de hoje foram, ontem, os escravos convocados para a grande revolução porque só tinham a perder as grilhetas que os amarravam. E uma reflexão sobre a condição tecnológica da globalização e seu potencial destrutivo — por mais radicais que sejam estes perdedores, o seu poder destrutivo não advém da sua fúria e do limite de auto-destruição até que estão dispostos a ir, mas dos instrumentos de que dispõem. Neste sentido, o que é perturbador e novo neste terrorismo é que ele usa a vida normal contra si mesma, o que nos instrui sobre duas coisas: a vida normal, hoje, usa de uma força que, desregulada, destrói a normalidade; usando os terroristas a força da vida normal, torna-se impossível estabelecer uma normalidade que lhes seja imune.
A vida normal usada contra si mesma
Luís Mourão
17.7.08 |
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