A Leitora, no seu infinito particular (I)


— Tinha a certeza que era você.
— Isso é que é segurança. E saber!
— Era uma certeza simples, qualquer coisa como saber que faria todo o sentido que fosse você, e que esse sentido não constitui nada de extraordinário. Bom, onde é que você está, Leitora? Já chegou, está a caminho, ainda não partiu?
— Digamos que estou a caminho.
— Explique lá isso.
— Parti. Ou deixe-me ir um bocadinho atrás. Tinha decidido partir, e fiz todas as diligências necessárias para isso. Contas, chaves a gente de confiança, esvaziar o frigorífico, tudo isso. Saí de casa para partir, mas passei ainda na Gulbenkian. Não tinha nada de particular a resolver lá, mas senti que era necessário.
— Compreendo.
— O que é que compreende?
— Que de facto tinha alguma a resolver na Gulbenkian, mas não sabia o quê.
— Pois foi. Descobri isso na sala multimédia. Gente ocupadíssima com as suas teses e trabalhos, mas a atmosfera não é de concentração, é de enclausuramento.
— Não seria disciplina, solidão necessária?
— Não. Quando levantam a cabeça, não há pensamento no seu olhar, apenas fadiga e trabalho.
— Não seria transpiração? Conhece por certo...
(interrompendo) Não é isso. Não há o brilho ou a sede de comunicar. Quando falam, é como se fossem um relatório, não uma aventura ou uma pergunta que as faça viver.
— Hum...
— Fui lá confirmar que tinha mesmo de partir.
— Compreendo. Mas pode regressar quando quiser, por isso...
— Eu sei. Mas assim é melhor.
— De modo que está a caminho.
— Estou, mas há mais.
— Bom... Espere só um pouco, tenho aqui uma outra chamada, já lhe ligo de volta. E vai ter de baixar um pouco mais essa música, ouço-a com alguma dificuldade.
- Não gosta da minha Marisa Monte? Tão a propósito, este infinito particular.
- O propósito seria ouvi-la a si, não acha? Mas eu já lhe ligo.

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