A Leitora, no seu infinito particular (II)


— Que aconteceu mais, afinal?
— Enganei-me. Na circular, em vez de meter para norte, saí para sul.
— Enganou-se?..
— Já sei que não há enganos, também conheço a cartilha do Sr. Freud. E nunca me tinha acontecido, o que só reforça a coisa de não haver enganos.
— Nunca se tinha enganado?
— Desta maneira, nunca. Quanto a orientação, sou uma condutora, qual será o termo?, eu diria que infalível. Acha que é demais?
— E como quer que eu saiba, se a não conheço? Acredito em si, para este ponto é suficiente. Por onde anda agora?
— Alentejo adentro, muito pacata, muito senhora do meu tempo. Às tantas dei comigo à procura de um vilarejo, tal como na canção.
— E você a dar-lhe com a Marisa Monte!
— Mas é tão lindo!.. “Na varanda, quem descansa / vê o horizonte deitar no chão / Pra acalmar o coração”.
— Foi por isso que você se enganou? Pra acalmar o coração por aí?
— Hum... E se eu disser que me limitei a procurar um solar com varanda e horizonte a condizer?
— Você diz apenas o que quer, e em boa verdade eu nem sequer tenho de perguntar por isso. Mas como a conversa começou pelo engano...
— Um dia destes estou aí, isso é certo. Mas para já vou andando. Se calhar precisava de férias... Ou de não ir em linha recta, o que não é bem o mesmo.
— Posso perguntar uma coisa?
— Parece grave...
— Não exactamente. Encontrou a varanda, o solar com varanda?
— Logo à primeira. É Alentejo, percebe? Foi a pernoita de ontem, agora continuo.
— Esteve muito tempo à varanda?
— Bastante, sim.
— Interferências literárias? Pessoa, Mia Couto?
— Devia?
— Dever, não devia. Apenas pergunto. A tal outra varanda, ou o frangipani, qualquer coisa assim?..
— Não. Mas pensei um bocado que precisava de falar consigo sobre o Transamerica.
— O filme?
— Isso mesmo, o filme.
— Bom... Mas então deixe-me mudar de post, isso é um multiplex, é preciso respeitar as séries.
— Ah, eu sabia que você ia dizer isso!
— Ou não fosse você uma Leitora avisada, não é verdade?..

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