- Agora nem abro isto.
- Pois, compreendo.
- Não era só o escrever, era também o ler.
- Mas já o lia antes, penso?
- Desde a primeira hora. E isso aumentou a aventura.
- E com os outros membros, também era assim?
- Desde sempre. De alguma maneira, era uma comunidade leitora. (pausa) Que até cumpria com panache a utopia de qualquer comunidade leitora: produzir alguns dos textos a ler. (pausa) Um large ensemble...
- Sim?..
- Cada um seguindo o seu caminho, mas ouvindo os outros e respondendo enquanto seguia o seu caminho. Se calhar na música não se percebe tanto, para quem está de fora há sempre um efeito de orquestra. Mas ali percebia-se as voltas que um texto dava, pelo facto de a casa ser colectiva: ecoando noutros, construindo paralelos, recebendo de outros a energia para se desviar em direcção a si próprio.
- Lá está você na linha da abstracção...
- Só por isto? Vê-se bem que a sua área não é a literatura.
- Não é, de facto. Mas sem querer discutir a sua área, há outra literatura que...
- (interrompendo) Há sempre outra literatura; até há essa coisa imensa que é «e tudo o resto é literatura».
- Pois, eu reformulo: fale-me do que sentia ao abrir o Casmurro. Do que sentia.
- Sentia que alguma coisa se tinha passado entretanto e que eu ia saber. E provavelmente entusiasmar-me. Não se resumia tudo a mim, como agora.
- Assusta-o, a solidão?
- Mas quem falou em solidão?! Bem eu dizia que tinha de vir para aqui de megafone...
- Megafone?..
- Oh, esqueça.
- Bom... De que se trata, então?
- De um pouco menos de mundo, é disso que se trata. Abria para ler e postar. Agora só posto, é muito diferente. Mas muito, muito diferente mesmo...
(longo silêncio)
Terapia breve, 5ª sessão
Luís Mourão
14.3.06 |
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