Há vinte anos, quando comecei a dar aulas em Viana do Castelo, uma viagem normal a partir de Braga, fora das horas de trânsito intenso, levava cerca de uma hora e dez minutos. Para além da estrada estreita e das curvas, havia que atravessar Barcelos, com a sua ponte medieval onde só se passava num sentido de cada vez, e a entrada em Viana fazia-se pela velha ponte que tinha dois ganchos, à entrada e à saída, parece que feitos de propósito para atrapalhar. Nos piores dias, cheguei a ler livros de poesia pousados no volante, enquanto esperava na longa bicha para entrar na cidade.
Com o andar do tempo, Barcelos e Viana tiveram novas pontes, e algumas curvas foram eliminadas. O tempo de viagem desceu para quarenta e cinco minutos, em velocidade de cruzeiro mas não respeitando o limite drástico de cinquenta que é o de quase todo o trajecto pela estrada nacional.
Até que desde o ano passado, de uma assentada, é possível fazer Braga-Viana inteiramente em auto-estrada, e segundo dois trajectos alternativos: Braga-Barcelos-Esposende-Viana ou Braga-Ponte de Lima-Viana. Trinta minutos, segurança, limites de velocidade inteiramente respeitados.
O que eram “ilhas”, são agora zonas metropolitanas. O que, entre outras coisas, permite toda uma outra gestão dos serviços públicos de altos custos. Mas isto exige pedagogia política. É que aquilo a que Boaventura Sousa Santos chamou a “imaginação do centro” — países menos desenvolvidos viverem segundo o imaginário consumista dos grandes países — pode explicar o sucesso destas acessibilidades: a auto-estrada Barcelos-Braga permite vir ao cinema, ao shopping, ao comércio local da capital de distrito, ou seja, permite que a periferia viva a vida do centro. Mas também poderíamos alargar o conceito àquilo que fica para cá dessa vivência: a grande cidade como centro é quase sempre entendida como consumo e lazer, raramente como alargamento da vida quotidiana. A vida como quotidiano é o local por excelência, e o local por excelência é aquilo que as pessoas imaginam como centro das suas vidas propriamente quotidianas. Isso leva-as a resistir e a não compreender que certos serviços que parecem pertencer a esse “quotidiano” possam ser deslocados para fora dele.
É o caso das maternidades. No espaço de uma geração, passou-se do parto em casa para o parto como uma especialização médica exigente e envolvendo meios sofisticados. Se ninguém hoje contesta a medicalização do parto, a compreensão dos meios envolvidos e a necessidade da reestruturação em curso já exigem alguma pedagogia. É por isso que o que se passa neste momento com a questão das maternidades é um péssimo indício: o governo explica-se mal, quer em termos políticos, quer em termos científicos (será tão difícil demonstrar que se este passo não for dado os níveis de mortalidade infantil voltarão a aumentar? não é isso que diz o relatório da comissão técnica?), as oposições sacodem a água do capote ou cavalgam a demagogia, e os autarcas lideram os instintos primários, reivindicando o direito sacrossanto de nascer na “terrinha”.
No paradoxo da “imaginação do centro”, aqueles que justamente pediam que o seu isolamento fosse cortado, recusam agora ser parte integrante desse centro, relativamente a serviços que tudo têm a ganhar em ser concentrados, permitindo pessoal qualificado em permanência e meios técnicos de ponta.
As maternidades são o primeiro passo. Ou muito me engano, ou as coisas vão piorar quando estiver em causa a reestruturação da rede do ensino superior. Manifestações de “mães do povo” são fáceis de arranjar, e também fáceis de esquecer. Mas a rede de ensino superior mexe com cargos e benesses de gente instalada, que não se manifesta na rua porque se mexe nos corredores partidários (embora seguramente vá mandar os estudantes para a praça, como sempre fez). O governo que não se cuide, e que não chame as oposições às suas responsabilidades, e é bem capaz de se estar a aproximar da zona dos grandes sarilhos.
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