— Estou preocupada consigo, Luís.
— Agradeço-lho, Leitora, mas verdadeiramente não há razão.
— Isso do estojo de primeiros-socorros, o calafrio... Que se passa consigo, afinal?
— Nada que não pertença à vida, Leitora. Quer dizer, nada de estritamente pessoal. Não é bem a mim que acontece, mas apenas àquele que ocupa os lugares que por acaso neste momento ocupo. É inerente aos cargos, que de resto são irrelevantes.
— Mas sofre.
— Sim. E também aprendo. E há quase uma estranha paz em as coisas serem assim. Não há nada de novo nisto, apenas que estou a viver aquilo que já li em livros bem diferentes.
— Questões de poder?
— Na medida em que, de alguma forma, tudo é poder. Não só a disputa dos lugares e a severa marcação àqueles que os ocupam, mas também o grau de consideração em que cada um se tem a si mesmo, geralmente proporcional ao grau de desconhecimento dos seus próprios defeitos. Como vê, tudo coisas triviais, nada mais que a vida.
— Será. Mas também me soa a conversa muito masculina e intelectualizada. Tem as suas vantagens, mas já estou quase como a sua terapeuta: diga-me o que sente, não o que pensa.
— Está a ver os inconvenientes de falar em directo através do blog? Nunca tinha dito que a terapeuta era uma ela, para que é que as pessoas hão-de ficar a saber isso?
— Ah... As minhas desculpas, Luís. Mas olhe, deixá-las saber, também não é mal nenhum, e acho que até compõe o retrato. Agora vou desligar e ligar-lhe pelo número que não é directo, e o Luís vai–me contar essas tricas todas, vai despejar o seu saco inteirinho, o seu umbigo e o umbigo de todos os outros. Quero saber o inferno todo, ouviu? Até já.
A Leitora, no seu infinito particular (XIX)
Luís Mourão
26.5.06 |
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