Mais uns dias e uma derradeira reunião, e termina a saga dos noventa romances. Como um monge de regra estrita, li o que me foi confiado até poder dizer do meu juízo que estava para além da dúvida razoável. Tanto quanto estas coisas se podem dizer de romances, claro. E sendo nós quem somos, outros tantos romances em que se confundem personagens e autor, mais umas quantas categorias ditas narrativas que muitas vezes atrapalham mais do que esclarecem, na vida e nos romances propriamente ditos. Mas adiante.
Como monge de regra estrita, disse eu. A oração valeu-me, devo confessá-lo, e pude manter espírito humilde ao longo da tarefa. Nunca, no claustro silencioso da leitura em consciência, insultei um dos noventa. Nunca maldisse a redacção da quarta classe, o epígono pesado, o provocador de bairro, a casa atafulhada de berloques, a lixeira a céu aberto, o beco sem saída. A todos abençoei: em verdade vos digo, aos autores vejo-os sempre como a D. Agustina dizia de si mesma: se não escrevesse, teria de matar alguém. Será uma mentira piedosa, mas prefiro assim. E no meu coração sinto que Deus, que embora não saiba tudo, muito sabe, concorda.
Depois houve também aqueles casos — e foram os mais proveitosos, está bom de ver — em que a minha imensa presunção e vaidade foi pedagogicamente fustigada pelo fogo do talento. Autores cujo nome nem me dignaria pronunciar, livros de que fugiria mais do que da pior das tentações — eis que a eles me tive de render. Em verdade vos digo: deixa-te encontrar, e acharás o que o nem sabias que procuravas.
E finalmente há esse problema deveras delicado, o da eleição de um entre os noventa, desde que um exista que assim se possa destacar — mas nisso nós já assentamos que sim, que há mais do que um que pode ocupar o lugar desse um. Nós somos cinco, sem distinção de sexo, idade ou lugar, embora não assexuados, a-históricos ou inlocalizáveis. Humildemente, em breve diremos do nosso espírito de admiração. Ámen.
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