Conhecem a expressão “O órgão legal e estatutariamente competente de cada estabelecimento de ensino superior aprova o regulamento...”? Não há decreto-lei relativo ao ensino superior que não contenha, pelo menos uma vez, este imperativo de regulamentar uma série de miudezas, todas elas indispensáveis ao bom funcionamento das instituições e ao cabal cumprimento da sua alta missão (começam a perceber o estilo, certo?..).
Muitas vezes, o problema começa logo em saber qual é o órgão legal e estatutariamente competente para a coisa em concreto. As horas que isso leva e o refinamento teológico dos argumentos mostram à evidência que a Universidade é o último reduto da civilização: as guerras ganham-se por exaustão, sem mortos nem feridos nem gastos astronómicos em sofisticadas tecnologias bélicas, apenas a força nua da palavra e algumas alianças, entre o táctico e o servilismo de carreira. Pareceres de juristas também acontecem: regra geral são teologicamente plurais, como aliás seria de esperar numa sociedade democrática, e imparcialmente favoráveis a quem os encomenda e paga, porque como é da sabedoria das nações não há democracia sem prosperidade.
Quando o problema da competência do órgão é finalmente ultrapassado, passamos à questão do conteúdo do regulamento.
Acontece que eu sou um tipo económico de palavras (às vezes não parece, eu sei, mas sou), e mais ainda de burocracias. Quando há dez anos atrás me vi, pela primeira vez, com a tarefa de propor um regulamento nestes termos, resumi a coisa em três ou quatro artigos, circunscritos à matéria estrita que era preciso regulamentar. Escândalo geral, uma nódoa negra no meu curriculum. Aqui para nós, foi bem feito, porque eu tinha obrigação de ter percebido as regras do jogo. Reformulei: aos três ou quatro artigos, juntei copy-paste a estrutura e os artigos da própria lei. Elogio geral. E razão pela qual os cem mil regulamentos dos mil estabelecimentos de ensino superior portugueses são fascinantes jogos de “descubra as diferenças”, nunca mais de cinco ou seis por regulamento, e já estou a ser generoso. Mas essas cinco ou seis, é óbvio, custaram vários concílios e várias cisões entre as hostes, com todo um rol de heresias, excomunhões, dogmas, revisionismos, reabilitações, refundações. A civilização em marcha, é claro.
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