Piergiorgio Welby # 3: eutanásia e religião

O facto de as autoridades eclesiásticas de Roma terem negado o funeral religioso a Welby não me surpreende. Tem lógica. Welby não foi um suicida infeliz, um pobre homem tomado de desespero que decidiu pôr fim à vida. Welby reclamou lucidamente, repetidamente, autonomamente, que desejava morrer, por no seu entender a vida que vivia não estar conforme aos seus padrões de dignidade humana. As autoridades eclesiásticas de Roma não podiam transigir com esta vontade tão lucidamente expressa. E é melhor assim, para que se perceba exactamente que a lei que proíbe a eutanásia é uma lei que se baseia por inteiro numa concepção de vida ancorada numa perspectiva religiosa.
Porque razão estados laicos, democráticos, têm leis ou parte de leis que impõem a todos os cidadãos a concepção de vida de uns quantos? Mesmo que esses quantos possam ser a maioria, ou mesmo 99%? Se o Estado laico proibisse o culto, alegando que a maioria dos cidadãos ou mesmo 99% deles eram ateus ou agnósticos, não teria o 1% restante direito à sua liberdade de culto? E se essa proibição existisse, não deviam os outros 99%, ainda que ateus ou agnósticos, defender intransigentemente o direito desse 1%?

Eu percebo que as autoridades eclesiásticas de Roma tenham negado o funeral religioso a Welby. São as regras do clube, e só pertence ao clube quem quer. Mas já não percebo que as mesmas e outras autoridades eclesiásticas defendam uma lei de Estado que proíbe a eutanásia, impondo a outros os seus princípios muito particulares. Quer dizer, percebo muito bem: se mandassem, se tivessem o poder que já tiveram, seriam como nesses tempos foram: fundamentalistas e totalitários.

Mesmo não pertencendo ao clube, e merecendo-me a direcção do clube, de um modo geral, uma certa repugnância (que um ou outro exemplo de humanidade atenua), não ignoro que entre os membros há gente de bem. No que me diz respeito, se me permitem pessoalizar, gente que não me insulta sem sequer se dar conta disso, dizendo-me com a melhor das boas-intenções que sou um cristão anónimo, mas gente que lida com gente, procurando a linguagem de uma comum humanidade.

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