À consideração de alguns leitores (legitimamente) renitentes
Tome o livro. Tome duas folhas em branco (ou sente-se ao computador, se lhe for de maior conforto).
Anote o título do primeiro capítulo ou parte. Anote o título, ou a numeração, ou a simples divisão sem título e sem número de cada sub-capítulo. Corra assim o romance até ao fim: está a fazer um índice, certo?
Vamos agora a uma segunda operação, um pouco mais demorada.
Em cada sub-capítulo, copie as frases em “discurso directo”, aquelas que se destacam na mancha tipográfica por começarem por um travessão. Algumas repetem-se, certo? Anote à frente da frase o número de ocorrências. Ao fim de quatro ou cinco sub-capítulos já dá para perceber que as frases não são muitas em cada sub-capítulo (às vezes são só mesmo duas ou três, outras vezes um pouco mais), mas que se repetem o seu tanto.
Faça esse processo para todos os sub-capítulos do romance.
Agora feche o livro. Proponho até que o mantenha fechado por uma semana ou mais.
Leia as frases que copiou. É possível que a intervalos regulares de sub-capítulos encontre uma ou outra vez as mesmas frases ou frases muito parecidas. Provavelmente, são sub-capítulos da responsabilidade de um mesmo narrador. Mas não se preocupe com isso. Estabeleça apenas ligações, se elas parecerem plausíveis e imediatas.
Comece a imaginar histórias de dor, cujo centro possa ser definido pelas frases que copiou. Um número maior de ocorrências pode querer dizer que aquilo dói mais. Mas uma única ocorrência não quer necessariamente dizer que aquilo tenha doído menos.
Pense nisto vários dias. Vá construindo personagens na sua cabeça. Sofrendo com eles. Acompanhe-os. Não faça deles vítimas ou coitadinhos, mas também não faça deles heróis malignos castigados pelos deuses. Gente normal. Mais dores que alegrias, mais frustrações que êxitos. O lado errado da vida. O lado errado da vida que é o lado normal da vida.
Pense nisto vários dias.
Depois reabra o livro e comece a ler desde o princípio. Vai ver que é mais simples de compreender.
Um sábado fora do centro comercial # 5
Luís Mourão
17.12.06 |
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This entry was posted on 17.12.06
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