Arte & Contexto # 2

Por razões tão comezinhas que podemos passar adiante, aconteceu-me na última quinta-feira, em Aveiro, entrar cerca de vinte minutos antes no pequeno auditório onde iria falar. Arrumadas as coisas vim-me sentar cá atrás, como um mero espectador muito madrugador — e, no caso, o seu tanto sonolento. Muito lentamente, as pessoas foram chegando. Primeiro um grupo de quatro jovens, em conversa animada, que se foram sentar na primeira fila. Falavam da Madeleine, ingleses, Algarve. Ouvi dispersamente, um pouco mais atento quando uma disse que quase nunca via televisão mas que tinha ficado para ver aquele programa verdadeiramente estúpido, mas não sei que programa era porque entretanto entraram mais três jovens que se sentaram a duas cadeiras de distância, outras conversas, aquelas expressões de geração, isto não é normal, é bem, coisas assim. A sala foi-se enchendo, chegaram os professores organizadores e sentaram-se também nos seus lugares de espectadores, faltava o conferencista mas as conversas estavam animadas. Ninguém estava sozinho (apenas eu), sentia-se a vida a correr, havia um fresco na sala que protegia do sol lá fora. Tantas histórias, aconteceu-me pensar, tantas vidas cruzadas — e tudo se iria interromper por causa de outras histórias, de outras vidas cruzadas que nem seriam assim muito diferentes. Mas as pessoas vinham por causa dessa interrupção. Por motivos diferentes, bem sei, entre obrigação escolar e mera curiosidade. Mas esperavam o jogo dessa interrupção. Faltava o conferencista. Até que do grupo de organizadores veio o sinal e eu tive de me levantar. Caminhei para a mesa enquanto se extinguiam as conversas e nascia aquela pergunta vagamente trocista — mas este caramelo estava sentado lá atrás a fazer o quê?

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