“Também tu, Brutus?” ou brevíssimo tratado da obscenidade política

Quando César se torna César sabe que uma das possibilidades do seu fim politico é ser morto pelos seus inimigos. E também por alguns dos seus amigos. César sabe que só é César enquanto se mantém vivo, e que isso implica, por vezes, matar os seus adversários. Matar literalmente. Em democracia, é menos frequente matar-se literalmente os inimigos. Os mecanismos são outros. Mas a morte política é a mesma.
A pergunta de César quando vê Brutus no grupo dos que o assassinam não é uma queixa nem uma acusação que identifique um traidor. A pergunta de César é uma forma de auto-recriminação. César enganou-se sobre Brutus. O problema não está em Brutus, que se limitou a ser quem é, ou a revelar-se finalmente quem era, ou a aproveitar o momento para se tornar naquilo que queria ser. O problema está em César, que não soube avaliá-lo. Em política, uma traição bem sucedida revela sempre a fraqueza do traído. Em política, o derrotado, se se quer manter na arena, guarda silêncio sobre juízos morais do senso comum e redefine as suas estratégias. Ou retira-se e escreve as suas memórias. Que, como todas as memórias, são as memórias de um morto.
Os juízos morais do senso comum estão fora da cena política. Literalmente: obs-cenum. Há normas jurídicas e constitucionais. E há o confronto das singularidades. Nada mais confrangedor do que um político a queixar-se da traição dos seus pares e a querer que essa queixa tenha a pertinência política que necessariamente negou aos que antes se queixaram dele. Nada mais confrangedor do que um político a queixar-se do juízo da opinião pública, como se não tivesse sido essa mesma opinião pública que antes o sancionou no lugar que ocupa.
A não ser que o problema esteja noutro lado: os políticos já não lêem Shakespeare, limitam-se a ver e a imitar as telenovelas.

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