Multiplex 31 # doze

(O mesmo apartamento, à mesma hora. Tudo arrumado. Silêncio. O telefone toca. Entra o atendedor de chamadas. Ruídos indistintos, primeiro. Depois grunhidos de porcos, ursos, e choro de crianças. A chamada é desligada.
Silêncio.
A televisão abre. Ecrã com granulado, emite apenas ruído estático. Cada vez mais forte. Extingue-se de súbito.
Silêncio. A luz vai descendo devagar, até ser fim de tarde.
Barulho de chave na porta e ferrolhos a correr. Entram A Leitora e Luís. Conversam animadamente, mas não se ouve o que dizem. Cada um pega numa peça de fruta, continuam a conversar animadamente, abrem a janela, sobem para o parapeito com inteira normalidade e dão um passo para fora como se estivessem a sair pela porta.
Silêncio.
Barulho de chave na porta e ferrolhos a correr. Entram o Homem Branco e o Homem Preto, que traz consigo o rádio. Logo a seguir entram também o urso, o porco e o rapazinho. Conversam animadamente entre si, mas não se ouve o que dizem. O rapazinho nota a janela aberta e fecha-a.
A conversa continua animada, mas não se ouve o que dizem.
O Homem Branco aproxima-se da janela, abre a janela, sobe para o parapeito com inteira normalidade e dá um passo para fora como se estivesse a sair pela porta. Todos estes movimentos são seguidos pelas restantes personagens com o máximo de atenção.
Poucos segundos depois o Homem Branco ter desaparecido, as restantes personagens atropelam-se umas às outras para chegar à janela. A cena lembra as pantominas de Charlot. Todos acabam por sair pela janela.
Silêncio. A luz desce ainda mais, e pela janela entram as luzes da cidade. Lentamente, o rádio que o Homem Preto transportava vai ficando iluminado em cima da mesa. Começa a transmitir "Your side of my world", de Joe Henry. No final da canção, todo o cenário está imerso na mais completa escuridão, à excepção do rádio, que cintila. Silêncio. O rádio continua a cintilar.)

Thought that bell was in my dream,
All in my head,
Until the trucks were in the yard
And the fire was in my bed.
Oh, can you hear the ringing bell,
Telling time like time was to tell?
Can you see the smoke rise and cut
All the way from your side of the world?

...

Let’s pretend we’ve never loved
Let’s pretend our hands are clean,
Free of all the spit and shine
And the smell of gasoline.
Cause here come the planes and the tambourines,
The funeral march, and the beauty queens,
The circus freaks selling lemonade
From the back of an open-air motorcade.
Here come the heart machines and the baby shoes,
The ship-to-shore relay of the sporting news,
That mail-order brides – fake tits and pearls
All making way from your side of the world.

Joe Henry, "Your side of the world", Tiny Voices (2003)

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