(Quarto semelhante ao anterior. O urso, o porco e o rapazinho estão sentados na cama. O rádio toca as Variações Goldberg, em cravo. O urso pesquisa os seus pelos, fica atento à música de vez em quando; o porco, com uma parte da cara/focinho em sangue, come continuamente de um saco, alheado dos outros dois, mas sem fazer barulho; o rapazinho escuta atentamente, segue cada peripécia da música.
A Leitora entra e apressa-se em direcção ao rapazinho, mas as suas mãos atravessam-no, como se fosse uma imagem. Faz o mesmo ao urso, e também as suas mãos o atravessam. Dirige-se ao porco mas pára, acaba por se vir encostar à janela, segue com angústia a música e o que cada um deles faz.
Depois de alguns minutos de música, a imagem do urso começa a diminuir e a entrar pela cabeça do porco. O porco continua a comer imperturbável. Depois é a imagem do rapazinho que começa a entrar pelo peito do porco, que continua a comer.
Mais alguns minutos de música. A Leitora faz um gesto em direcção ao porco, que pára de comer e a olha fixamente. A Leitora aproxima-se muito devagar. O porco grunhe, cada vez mais forte, o seu grunhir sobrepõe-se à música. A Leitora pára por um breve momento, mas continua. Muito devagar. O porco grunhe mais forte, o sangue recomeça a escorrer da sua cara/focinho. A Leitora tira a blusa, amarfanha-a, e faz uma compressa para estancar o sangue. Abraça a cabeça do porco. Os grunhidos vão baixando até desaparecerem, a música toca agora mais alto.
A Leitora deita o porco, que se ajeita na posição fetal, e deita-se por trás dele, abraçando-o. A música toca ainda mais alto. A Leitora começa a desaparecer dentro do corpo do porco. A luz baixa, o porco é apenas um vulto indistinto na cama. A música toca mais alto. É a ária da capo, com que finalizam as Varições Goldberg. Quando a música acaba, o vulto indistinto começa a arder. A luz baixa completamente, o vulto arde completamente. Ouve-se o crepitar das chamas mesmo quando o vulto já acabou de arder. O barulho vai descendo até se extinguir.
Escuridão total.
Barulho de uma chave na porta e de ferrolhos a correr).
Multiplex 31 # nove
Luís Mourão
3.5.07 |
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