Helder Moura Pereira

“Vergado ao peso de palavras fortes / (essas que fundamentam a passagem / dos homens pela terra e junto de janelas), / entrego a autores importantíssimos / o défice das minhas e de outros, junto / às quais as suas ainda valem mais.” (p. 30).
É bom quando um autor sabe ao que vem e que lugar quer ocupar. Não é sequer uma questão de anti-metafísica, anti-lirismo, minimalismo programático ou qualquer coisa do género. É só uma história simples e prosaica, ao rés dos dias, num mundo que nem se sabe se consentiria mais, porque precisamente o que distingue esta história é que se está absolutamente nas tintas para o haver ou deixar de haver mais. E digo história porque essa dimensão inequivocamente narrativa (e trivialmente narrativa) distingue a poesia de Helder Moura Pereira.
Mas trivialmente narrativa também porque lúcida: “Ora, mas é como toda / a gente, um parafuso, uma flor, / a dor, o amor, a voz de um, a voz / do outro, o falso uníssono.” (p. 48). E quando a história é de amor, ou de sexo, ou do território incerto que a ambos envolve, os segredos do reino animal impõem a sua condição: o que há neles de secreto não é que nós não os saibamos, que sabemos e por vezes em demasia, mas sim que eles nos obriguem ainda e sempre à sua história de animais desejantes, ora frágeis ora furibundos ora desinteressados. Matérias com que outros tantos reinos sublimaram — e que aqui são recantos de uma cidade, de uma casa, de um quarto, da distância anulável e contudo sempre presente entre dois corpos e os seus gestos tão materiais e evidentes que até parece que algum segredo os guia sem falhas.

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