O silêncio dos livros: nota 1



“(...) os mais antigos fragmentos datados da Bíblia dos Hebreus são tardios, muito mais próximos do Ulisses de James Joyce do que das suas próprias origens, que se relacionam com o canto arcaico e a narrativa oral.” (p. 8).

Steiner sempre enfatizou – e aqui também – o facto de os “mestres” da cultura ocidental, Sócrates e Jesus, serem mestres da oralidade, não da escrita. E contudo, Steiner tem nesta anotação brilhante o caminho para poder pensar Sócrates e Jesus como personagens de uma narrativa que, por ser da escrita, é desde sempre a da impossível coincidência com a realidade de onde diz provir. Sócrates e Jesus são modelos afinal impossíveis, não tanto pela sua exigência ética mas porque reordenam tão perfeitamente a si uma ideia de realidade e um mundo tão individualizado como só a ficção o pode dar. Esta religião e esta filosofia são a narrativa da nostalgia algo ressentida do paraíso perdido, isto é, da realidade real para sempre perdida, mas que se crê recriável em sistema ou tábuas da lei. A literatura é essa nostalgia feita consentimento, e por isso mistura sem medida de grotesco, ironia, sublime e morte – Ulisses, por exemplo (ou ambos os Ulisses, já agora, e para melhor exemplificar).

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