Na iconografia dos artistas, senti muitas vezes que faltava à imagem do escritor esse amparo tecnológico que o realizador de cinema sempre teve: a câmara. Alguma coisa que desvie o olhar, que multiplique o olhar (a restrição do enquadramento que obriga à variação, acumulação e montagem dos ângulos). Que desumanize o pensamento, obrigando-o a pensar mais. Que torne óbvia a falsidade ingénua do senso comum que dá a alma na janela do olhar. A alma, se a há, está na mesa de montagem, que é uma mesa de dissecação que produz efeitos contrários às tarefas legistas. A câmara torna isso evidente. E ainda que o laboratório seja também a realidade última de todo o escritor, pouco ou nada há na sua iconografia que o diga sem subterfúgios. A página em branco coloca-o mais no lugar de Deus do que do artesão que tem de negociar com um mediador tecnológico as aventuras do sentido. E se o lugar de Deus pode ser apetecível pela sua altura simbólica, é um lugar inabitável e de onde só se pode cair.
Rostos # 2
Luís Mourão
6.8.07 |
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