A idade de ouro do cinema

Luís Miguel Oliveira, no Ípsilon de ontem, num parêntesis encadeado no facto de em tempos idos os filmes de Nikita Mikhalkov serem vistos, discutidos e levados a sério:

(O que nos conduz a um aparte: é irresistível pensar que boa parte da lamentação das últimas semanas pelas mortes de Bergman, Antonioni e do “cinema de autor” é sobretudo um luto por algo mais simples: pelo tempo em que os adultos iam ao cinema.)

Excelente e simples verdade. Mas também é verdade que a gente põe-se a esmiuçar, e as coisas são capazes de ser um pouco diferentes. O tempo em que os adultos iam ao cinema está pelo tempo em que o cinema era para adultos. Estive para aqui a fazer umas contas nos arquivos e a coisa é capaz de ser mais ou menos assim: via tantos filmes adultos dantes como agora vejo, isto é, não muitos, e nem todos memoráveis. A questão é que dantes não havia mais nada à volta, ou muito pouco, e agora há uma catadupa de fitas para pipocas e adolescentes. No velho Quarteto, o pequeno hall enchia-se de gente adulta que emergia das quatro salas para fumar e discutir avidamente. A mesma/outra gente adulta que passa despercebida no trânsito impessoal entre as dezasseis ou vinte salas dos grandes multiplex. A visibilidade (também simbólica) de um mundo que se pensava por imagens desapareceu, submergida pelo entretenimento. Não foi só no cinema. Mas continua-se a pensar por imagens e os adultos continuam a ir a algum cinema. Só que deixaram de ser o consumidor alvo das chamadas industrias culturais. O resto do luto é talvez ainda mais simples: estamos a envelhecer e repetimos o mesmo estúpido erro de criar retrospectivamente a idade de ouro que nunca na realidade existiu.

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