“Se me permite dizê-lo”. Não é apenas uma fórmula de cortesia, mas logo o reconhecimento de que não tens ainda permissão para o dizer. Cala, espera.
Cão existencial 17
Ficamos então assim?
E seria possível de outro modo?
Mas achas que tudo o que aconteceu tinha de acontecer?
Depende. Na política, quase sempre deveria e poderia ter sido diferente. Mas no amor, quase sempre foi o que poderia ter sido. Ou até mais do que poderia ter sido.
Mais?..
Da ordem do improvável, quero eu dizer.
Ficamos então assim?
Ficamos.
Cão existencial 16
Cão existencial 15
Cão existencial 14
Sabes, não estou muito convencido de que tu… percebes?..
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Certas coisas, tu sabes, são histórias intermináveis. Olha, eu até penso, como dizer, que são mais do que histórias intermináveis, são assim uma espécie...
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Não estás a ajudar nada, não sei se já reparaste...
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Sozinho não consigo levar um pensamento até ao fim. É por causa das queixinhas? Mas a série já está quase a acabar, bem podias ser mais amável com quem te aturou estes posts todos.
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Se é assim que queres...
Cão existencial 13
De auscultadores?
É a música da cura. September song, versão Lou Reed. Ora ouve:
Oh, its a long, long while from may to december
But the days grow short when you reach september
When the autumn weather turns the leaves to flame
One hasnt got time for the waiting game
Oh, the days dwindle down to a precious few
September, november
And these few precious days Ill spend with you
These precious days Ill spend with you
Tão antigo.
Mais antigo que a aspirina?
Isso não sei.
Mas mais antigo que deus, isso sei eu.
Nem te pergunto por essa teologia estranha.
Obrigado. Não é teologia e é tudo menos estranha, mas obrigado na mesma.
Curado?
Recolocado. Entre o One hasnt got time for the waiting game e o These precious days Ill spend with you.
A vida?
What else?
Cão existencial 12
Vamos lá a saber finalmente, se te queres matar porque não te queres matar?
Ora, deixa-te disso. Ouve antes aqui esta história.
Hum.
Esta mulher teve três namorados. Continuou com medo de ser beijada no pescoço. Depois teve outro namorado. Perdeu o medo de ser beijada no pescoço. Os outros namorados a seguir nunca perceberam que essa mulher teve algum dia medo de ser beijada no pescoço.
E?
O progresso existe. As pessoas fazem diferença. As circunstâncias ajudam. E por aí fora. Não parece, mas é uma história optimista.
Tu tens a certeza que estás bem?
Vista de perto, a vida é a epopeia dos pormenores.
Mas demasiados pormenores não é a vida transformada em saco de bagatelas?
Isso depende das mulheres, meu caro.
Só isso?
Bom, mais qualquer coisa, de facto. Mas não tem nome. Por isso, não compliques.
Eu?! Essa agora.
Cão existencial 11
E aquela coisa do dedo mindinho e da questão teológica?
Não tem relevância, e ainda por cima demora a explicar.
Então não quero.
Claro que não queres. E olha, sentes-te melhor?
Um pouco, sim.
O suficiente para acabarmos esta série?
Ah, isso não, aguenta mais um pouquinho.
Cão existencial 10
E a Leitora?
Já te disse, está de férias.
E os Multiplex?
Quando ela vier.
Mas tens ido ao cinema?
Sim, mas quando ela vier a gente fala.
E porque não comigo?
Porque é com ela.
Cão existencial 9
Que foi?
Nada.
Como nada? Se estás a olhar fixamente para mim.
Estava a ver se esticas o mindinho quando pegas na chávena.
Hum...
Não te preocupes, é apenas uma questão teológica sem relevância.
Teológica?
Depois explico.
Cão existencial 8
Mas como é possível? Tens tudo atrasado, tudo, absolutamente tudo, e dás-te ao luxo de cear a ver um episódio do Seinfeld?!
Não posso tomar mais aspirinas.
Então e deus?
Mas é por isso. Ou já te esqueceste que esta coisa é sobre nada?
Cão existencial 7
Tu já viste bem aquela laranjeira?
Qual?
Aquela ali, mesmo em frente.
Que é que tem?
Laranjas vermelhas, laranjas verdes, folhas de outono, folhas de primavera, um haste seca, uma haste bebé.
E então?
Está tudo a acontecer ao mesmo tempo, é tão, tão...
Mas não foi assim que contaste, deste-lhe uma ordem.
Foi para me defender do excesso. Devia ser dito num suspiro, que arrastasse de uma coisa para outra, vagarosamente confundindo sem apagar.
São sete horas, não devias tomar uma aspirina?
Estou a recuperar, não te preocupes.
Cão existencial 6
Lembras-te do absurdo? E se procurasses no passado?
É sempre um bom lugar para procurar essas coisas, concordo. Mas já passei a fase.
Eu dizia procurar abstractamente.
A puxar à metafísica?
É mais à metapsicologia, penso eu. Mas tenta assim:
A Nossa Vez
É o frio que nos tolhe ao domingo
no Inverno, quando mais rareia
a esperança. São certas fixações
da consciência, coisas que andam
pela casa à procura de um lugar
e entram clandestinas no poema.
São os envelopes da companhia
da água, a faca suja de manteiga
na toalha, esse trilho que deixamos
atrás de nós e se decifra sem esforço
nem proveito. É a espera
e a demora. São as ruas sossegadas
à hora do telejornal e os talheres
da vizinhança a retinir. É a deriva
nocturna da memória: é o medo
de termos perdido sem querer
a nossa vez.
Religiosamente.
E tem ajudado?
Amanhã de manhã já entro oficiosamente na ressaca.
Ainda bem, ainda bem.
Open road
Entre as consequências perversas do relativismo e o desejo de cruzada face ao “eixo do mal”, essa guerra entre “nós” e “eles”, o caminho é cheio de nuances e perigos. Como não concordar consigo em “que só a inteligência, o conhecimento e a honestidade […] permitem […] o assumir de posições complexas, bem mais difíceis de sustentar do que aquelas que identificam os pastores e orientam os seus rebanhos.”?
Velhos amigos
Cruzando
Caro Carlos Leone:
Agora, conversas a três (esta a modos que já vai a quatro) é princípio de espaço público. Portanto, entre e continuaremos todos.
Caro Rui Bebiano:
Cão existencial 5
É simples.
Mas também parece estúpido.
Porque é estúpido.
Nesse caso...
A vida, queria dizer a vida.
Eu percebi, querias dizer nós.
Eles vivem, sem dúvida, e quanto aos outros convém não deixá-los morrer
Os matizes em relação ao que conhecemos, e que nos levam, em muitas questões, a falar da posição oficial da Igreja Católica em vez da posição dos católicos, dando por adquirido que há católicos, e muitos, que divergem em vários assuntos da posição oficial dos seus líderes, devíamos também procurá-los em relação ao mundo árabe. A famosa “rua árabe” faz-me lembrar aquelas manifestações de apoio ao Estado Novo — aquelas pessoas estavam mesmo lá, e exactamente naquele número. E depois, no 25 de Abril, foi o que se viu.
Isto não invalida tomar a sério a “rua árabe” e desmontar os seus slogans assassinos — mas implica também procurar na “cidade árabe” aliados para essa tarefa. De outro modo, estamos a condenar O árabe em bloco, o que me parece ser um erro político colossal (porque esta minha posição é política, Carlos Leone, os textos, literatura incluída, só me interessam porque dão sempre para outra coisa). Não vejo que Rui Bebiano discorde disto. Como bem afirma, o partir-se de um ponto diferente para começo de análise não quer dizer que não se tenha necessariamente de passar pelo outro ponto do qual não se escolheu partir. Certo que há privilégio no ponto de partida, e em termos do nosso trabalho intelectual ele determina os nossos instrumentos e o nosso labor específico — são os constrangimentos da especialização. Mas o que importa é para onde se converge. Aí, sem dúvida que somos benignos um em relação ao outro. Mas quero crer que seremos benignos para com qualquer um que não deseje o nosso extermínio ou não nos impeça de viver e pensar os nossos erros e acertos por nossa própria conta e risco.
Ratzinger não é a Bíblia nem Estaline é Marx
À partida, as nossas duas formas de abordagem não se excluem, até porque não se debruçam exactamente sobre o mesmo objecto — penso eu. Colocaria as coisas deste modo: Ratzinger ou Pio IX não são a Bíblia, Estaline não é Marx, a fatwa não é o Corão. Rui Bebiano interessa-se, e bem, sobre o modo como certas leituras de textos fundadores se substituem aos textos fundadores, reduzindo a sua ambiguidade, tornando-o palavra de ordem — palavra de ordem eventualmente assassina, até — e determinando modos de vida que sem dúvida fazem mundo. Alguma dúvida que Estaline faz isto a partir de Marx? A velha questão é: Marx é responsável por Estaline, ou Estaline criou o seu próprio Marx? Para mim, a resposta é inequívoca: Estaline criou o seu próprio Marx (sendo que obviamente eu não posso apontar o Marx ele próprio). O facto de existirem leituras marxistas anti-estalinistas constitui a prova. Isso não obsta à análise de Estaline e das suas vulgatas, antes pelo contrário, mas essa análise não é ipso facto uma análise de Marx, nem a condenação de Estaline constituirá automaticamente uma condenação de Marx.
E se isto é verdade acerca da relação Marx-Estaline, mais o será acerca da relação dos textos das grandes religiões monoteístas com os seus intérpretes. A fatwa é uma “leitura” do Corão: no que afirma, merece-nos a ambos um firme repúdio; enquanto leitura, não diria que ela traduz ou deixa de traduzir a verdade do Corão, confronta-la-ia com outras leituras e tomaria o partido das que se alinham pelo repúdio que ambos temos pelos conteúdos da fatwa. Do mesmo modo (embora por razões diferentes, claro) que não vou na companhia de Ratzinger, mas prezo, e muito, por exemplo, a companhia do Graal (Lurdes Pintassilgo, Isabel Allegro de Magalhães).
O que me preocupa é um certo tipo de desproporção na análise. Deste lado, para crentes e não crentes, é óbvio que não há o cristianismo mas cristianismos. Relativamente ao outro lado, dizemos com demasiada frequência o Islão. Deste lado, para a esmagadora maioria dos crentes e para a totalidade dos não crentes, o jardim do paraíso é uma metáfora. Relativamente ao outro lado, o jardim da guerra parece que pode ser tomado à letra. Ora, ressalvada a comparação, há criacionistas como há adeptos da fatwa: mas alguém cita o Génesis para acusar o cristianismo de criacionista?
Cão existencial 4
Tu lembras-te daqueles versos?
Quais?
Um desejo absurdo de sofrer, qualquer coisa assim.
O Cesário do sentimento dum ocidental?
Isso. Agora sei melhor porque é.
O desejo absurdo de sofrer?
Sim. É pelo futuro. Pelo que vem do futuro. Absurdo porque ainda não se sabe acerca de quê, e a palavra mais simples é ab-surdo, o que não se ouve nem se pode ouvir. Ainda. Mas é só dar tempo e o absurdo torna-se audível.
E a aspirina, tens tomado?
Religiosamente.
Isso ajuda, vais ver.
Usos & religião
Deixe-me pôr as coisas deste modo. Parto do princípio de que nenhum de nós é crente. Como não crente (mas há crentes que também lêem assim), leio todos os textos das religiões monoteístas como um interminável combate entre quem é “nós” e quem são os “outros”, entre as regras do amor que definem o “nós” e o tipo de guerra que se deve mover aos “outros” pelo simples facto de que a sua mera existência relativiza o absoluto do “nós”. Os termos deste combate não estão encerrados nem na literalidade do texto nem na sua exegese filológica ou historicista, mas na interpretação contínua com que a comunidade dos crentes se vai apropriando deles. Numa palavra, no seu uso. Nesse sentido, acho que pouco adianta citar directamente do Corão para mostrar preto no branco a brutalidade com que se persegue os outros. Ela está lá, como está em todos os outros textos, sob outras formas. O interessante, e estratégica e politicamente mais relevante, penso que seria procurar alguns usos em que o aparente sentido literal destes textos é reconstruído numa vivência que está conforme à defesa que fazemos das liberdades fundamentais. Ou seja, procurar apoio na exegese daqueles a quem chamamos os moderados árabes. Com outra estratégia, corre-se perigo de guerra religiosa. E as guerras religiosas, como qualquer outra guerra, podem ser ganhas, mas o seu preço é particularmente alto. Claro que nada disto põe em causa que nos mantenhamos firmes na defesa do essencial — isso que permite que estas palavras existam aqui e agora.
Cão existencial 3
Fez efeito, a aspirina?
Vou tomar outra ao almoço.
Mas isso é gripe ou?...
Tudo junto e nada disso. E por favor não metas deus ao barulho, já bastou o Papa e o Islão e as notícias.
Por falar nisso...
Acho assustador que o Papa tenha ficado surpreendido com a reacção às suas palavras, se é isso que queres saber. Uma vez Papa, em todo o lugar Papa. Como aliás qualquer Chefe de Estado ou líder partidário. Como é possível que não perceba isso?
Mas a citação...
Diz-me quem leu e em cuja leitura eu confio, que a citação até não está lá a fazer nada, não faz andar o argumento. Mas está lá, e só um ingénuo pensaria que neste contexto ela pudesse passar despercebida. Não digo que não tenha razão no argumento, embora quanto a guerras santas haveria muita auto-penitência a fazer. Mas o Papa tem que escolher se quer o ataque ou o diálogo.
Mas é óbvio que quer o diálogo.
Será. Mas bem lá no fundo, acho que o seu dilema é este: Se te queres atirar a eles, porque não te queres atirar a eles? Mas um Papa não pode ter estes dilemas, isso é matéria reservada aos cães existenciais.
A aspirina é para agora?
Só no fim de comer.
Cão existencial 2
Por onde andaste? Por momentos até pensei... Sei que não é o teu género, mas juro que por momentos, sei lá...
Ora, o que para aí vai. Mas sensibiliza-me a tua preocupação.
Está bem, mas afinal por onde andaste? Se é que se pode saber, claro.
Pode, tudo se pode saber.
Lá estás tu a desviar.
Nada disso. Estou-te grato pela pergunta, o mundo é tão grande e nós tão pouca coisa nele.
Vês? Desvio.
E também estou muito grato ao Groucho. Oh, a Germaine Greer, anarquista e feminista, que mulher espantosa.
Sim, foi um gesto nobre.
Solidário.
Solidário, sem dúvida. Mas afinal por onde andaste?
Para dizer a verdade, andei com a Germaine Greer. Aí tens. Aceitei a oferta, quer dizer, segui o conselho.
Conselho?
Foi assim que li. Fim de semana com a Germaine Greer que me cabe. É pós-anarquista e pós-feminista, sabias?
E o cão existencial?
Recomeça de uma forma pós-filosófica.
E como é isso?
Assim: se te queres matar porque não te queres matar?
Hum... E a aspirina?
Já tomei. E não me perguntes por deus.
Não ia perguntar. Só pela Leitora.
Regressa de férias um dia destes.
É bom que sim, já estou cansado de ser a tua consciência. És um gajo pesado e chato, já te tinham dito?
Todos os dias mo lembras.
Cão existencial 1
Meandros quase poéticos
para L.
A pergunta que se impunha
Dois gajos perigosos e um cota [último aviso]
Dia 12 Setembro, terça-feira, às 18h, na FNAC de Santa Catarina, Porto, lançamento do livro de Pedro Eiras (um gajo perigoso), A moral do vento. Ensaio sobre o corpo em Gonçalo M. Tavares (outro gajo perigoso).
Apresentação de Luís Mourão (um cota)
Impasses
11/9
A questão é sempre: que nos pedem as vítimas? Que coisa está implícita no dever de não esquecer as vítimas?
Antes de mais, eu diria que nos exigem que as lembremos como humanas. Neste caso, como humanas que puderam ainda ser capazes de uma última e terrível escolha. Mas escolha legítima. Absolutamente.
Mas sobretudo, e muito mais difícil, exigem-nos que por sobre a dor sejamos capazes de continuar a pensar.
gesto 1
“O ponto é o início de um livro: surge antes da primeira letra da primeira frase
O pacto ensaístico não permite esses inícios. A introdução não é um início, mas um protocolo que simula o início. Um início em ensaio é já o meio, algures no meio de qualquer coisa, em passagem (ponte, desfiladeiro, recta). Um entre. Mesmo “ligando ao não-ser”, que é um caso limite, pois parece quase um início. Mas é já uma passagem. Assim vai sendo um ensaio.
Psicopatologia da vida quotidiana
Visite o andar modelo
Dois gajos perigosos e um cota
Dia 12 Setembro, próxima terça-feira, às 18h, na FNAC de Santa Catarina, Porto, lançamento do livro de Pedro Eiras (um gajo perigoso), A moral do vento. Ensaio sobre o corpo em Gonçalo M. Tavares (outro gajo perigoso).
Apresentação de Luís Mourão (um cota).
[depois do fim, 23: post scriptum]
[depois do fim, 22: epílogo]
[depois do fim, 21]
[depois do fim, 20: lição da erva daninha]
[depois do fim, 19]
[depois do fim, 18]
[depois do fim, 17]
[depois do fim, 16]
Tudo recomeça imperceptivelmente, as cicatrizes são a tua pele natural a um outro olhar.
[depois do fim, 15]
Quando te assustas com o som do teu riso e perguntas: como pude esquecer?
[depois do fim, 14]
[depois do fim, 13]
[depois do fim, 12]
O momento em que deus se volta a aproximar e mudas de passeio delicadamente para que ele possa passar à vontade.
[depois do fim, 11]
O momento em que pensar o amor se torna inútil, e estás pronto para não haver mais nada.
[depois do fim, 10]
O momento em que se percebe que somos, todos, a doença do mundo.
[depois do fim, 9]
Quando o silêncio não é a tua pele nem a longa quieta noite, mas uma batalha recomeçada.
[depois do fim, 8]
Quando tenho de fazer os gestos inteiros, porque já não mos completas.
[depois do fim, 7]
Quando entre mim e o mundo já não há o teu corpo.
[depois do fim, 6]
[depois do fim, 5]
[depois do fim, 4]
[depois do fim, 3]
Ainda que eu tivesse conseguido vencer a timidez e aproximar-me, nunca franquearia essa barreira, essa espécie de fosso incendiado dentro do qual eles se iam deslocando. Eram uns cinco ou seis mas, ao saírem para a claridade do meio-dia, faziam sombra como um temporal. Desembocavam sobre Culloden e, se em algum momento aqueles campos se recordaram da batalha, foi então.
Deixei que entre eles e eu se interpusesse uma distância de delicadeza e apressei-me depois no seu encalço. O vento e o sol bateram-me na cara e eu defendi-me. Nunca mais os vi, e no entanto era impossível que eles tivessem, naqueles segundos, alcançado o horizonte.
Nota marginal 2: qualquer paixão, depois do fim, é como o vasto campo de Culloden; revisitado por um ou outro, há sempre um fantasma que se desloca dentro de um fosso incendiado, a uma distância intransponível mas que queima ainda; queima para nada.
[depois do fim, 2]
(...) Eu bem os vi, no dia em que lá fui. Senti-me exausta por andar de pedra em pedra sem partilhar a alegria americana. Acho que o alarme que corria o campo era audível a gente como eu, puros visitantes que não iam à espera de o ouvir. Por muito fundas que tivessem as raízes, na formação das ervas não havia um átomo do sangue derramado. Passara muito tempo. E no entanto alguma coisa que rangia, um desespero, cortava o ar e cintilava à luz de Abril.