Asfixia em pequenas notas


Eduardo Pitta responde longa e criteriosamente ao meu post. Algumas anotações em continuação de uma conversa que vale a pena.

1. Pergunta Eduardo Pitta: o desagrado geral perante Bolonha virá do desnorte legislativo que ilustra o nonsense burocrático? Penso que a causa próxima será essa. Agravada por uma sucessão de governos (da queda de Guterres até agora) que manteve interminavelmente a questão em agenda, não permitindo avançar nem resolver. E coincidindo com os anos mais gravosos do Ensino Superior pós 74, combinação explosiva de crise económica aguda e falta de alunos. Alguém se lembra de ouvir falar de desemprego no Ensino Superior a não ser nos últimos dois a três anos? Bolonha transformou-se no bode expiatório perfeito desta crise. Até porque finalmente se foi percebendo que Bolonha, podendo ser uma mudança de paradigma científico-pedagógico (oh, estas eloquências...), era antes de mais uma necessidade de acerto de política educativa dentro da União Europeia para fazer face a outros competidores (Estados Unidos à cabeça, claro). E para isso, que é decisivo, não era preciso tanta parafernália, nem que ela fosse servida com tanto desnorte legislativo.

2. Afirma Eduardo Pitta: “Quanto ao previsível abandono, por parte de muitos, logo no fim do 1º ciclo, julgo não ser diferente do que acontece já, em que muitíssimos abandonam no durante”. No seu valor facial, de acordo. Mas se me permite, isto vai introduzir uma falácia que iremos pagar caro, basta esperar alguns anos. É que os que abandonam agora não levam qualquer diploma, e tão importante quanto isso (crua verdade...) não levam qualquer auto-representação de si mesmos como pertencendo ao leque dos licenciados ou formados. Os que acabarem o 1º ciclo de estudos serão licenciados. Entre estes licenciados e os licenciados de hoje, a sobreposição do nome apagará toda a diferença. E nenhum discurso político se faz ouvir a dizer que a licenciatura, para a competitividade que aí vem (que já aí está...), não basta. Mas mesmo que esse discurso se fizesse ouvir, o nominalismo que se vai instalar teria uma larga margem de triunfo. Bacharel seria a designação certa para esse 1º ciclo, porque diminuiria sem subterfúgio esse propedêutico alargado. Pior que inculto, só um inculto que é levado a pensar que é culto.

3. Descrença na sociedade civil, porque não acredito que, mesmo por vaidade, todos os nomes que referiu sejam motiváveis para abrir os cordões à bolsa tendo como destinatários as universidades? Bem pode dizê-lo. Entre nós, há muito que a Universidade não é distintivo para ninguém. A gente diz o Senhor Reitor, e o povo pensa nos liceus de antigamente, todos presididos por Salazares com pingalim. A gente diz Ensino Superior, e encontra placas de freguesia que gritam que aqui há universidade ou politécnico. Vivemos todos numa América mental, é certo, mas nem todos os símbolos são transponíveis. Os nossos “forbes” é mais artes & música, e já não é mau. Generosos contribuintes líquidos para Ensino Superior só conheço algumas câmaras. E pequenas, está a ver?

4. Claro que lhe faço essa justiça. Já lhe fazia no post, dizendo expressamente que aquilo não era consigo. É daquelas generalidades que ultimamente atingem o funcionalismo público, e que depois alguns esmiúçam aplicadamente a cada corpo profissional em particular. Note que eu até não me importava de ser um desses gajos do superior que não fazem um caracol: o que eu queria ser mesmo quando fosse grande, era ser posto na prateleira, receber o meu ao fim do mês, e ler e escrever o que me apetecesse. Até daria umas aulas de graça, só pelo gozo de partilhar o pensamento e aprender pensando. Utopias, já se vê... Bom, agora vou dar uma aula. Das nocturnas, como o Ministro gosta. E eu também.

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