Preparando os prós e contras sobre o ensino superior ou asfixiamos porque queremos, diz o Eduardo Pitta

Eduardo Pitta vê de fora, como muito bem diz, e isso, aos que estamos dentro, deve fazer-nos pensar. Porque Eduardo Pitta não é um qualquer, e se vê como vê, o mais certo é que olhos menos cultos ainda vejam pior.

Um: Eduardo Pitta fica perplexo pelo atrabile contra Bolonha. Culpa nossa, que não nos explicamos.
Primeiro, eu não conheço ninguém no ensino superior que seja contra o Processo de Bolonha. Não conheço toda a gente do superior, claro, mas conheço muita gente e acho que li quase tudo das posições e pareceres que a coisa suscitou. O que conheço é muita gente, entre os quais me incluo, que se insurgiu contra duas coisas:
1. [uma boa parte desta muita gente, mas não toda, verdade se diga, contra] Que Bolonha tenha sido aproveitado para reduzir drasticamente a já de si fraca presença das ciências sociais e humanas na formação geral do ensino superior, afastando com isso instrumentos de crítica social e grelhas de leitura problematizantes;
2. O modo como a “implementação” do processo de Bolonha (não) foi sendo feita. Um após outro, os estudos conducentes, em cada especialidade, à redefinição das regras, foram sendo atirados para o caixote do lixo. Novo ministro, nova ronda. Dois exemplos simples e comezinhos: A) o Decreto-Lei nº 74/2006, de 24 de Março, fixou o regime jurídico dos “Graus académicos e diplomas do ensino superior”, e as normas técnicas para a adequação de cursos ou criação de cursos novos foram fixadas em 31 de Março; o prazo para apresentação das propostas de novos cursos ou adequação de cursos conformes ao Decreto Lei e às suas norma técnicas que quisessem funcionar no ano lectivo 2006-2007 era... 31 de Março. B) O mesmo Decreto-Lei previa que até 15 de Novembro corrente terminassem os processos de adequação dos cursos a Bolonha. Mas como o Ministério da Educação se atrasou a apresentar os requisitos de habilitação para a docência, esse prazo, para os cursos de formação de professores, foi alargado para 31 de Janeiro de 2007. Resta saber quando é que o anteprojecto de Decreto-Lei, lançado para discussão pública no início de Novembro, se transforma efectivamente em Decreto-Lei, e quanto tempo restará então às instituições para fazerem o processo de adequação. Isto depois de duas comissões, uma antes da Ministra Maria da Graça [suponho que era este o nome, ele há figuras que a gente nem se dá ao trabalho de fixar...], outra durante o seu mandato, terem feito o trabalho “todo”. Obviamente, nada disto é muito sério.
Segundo, Eduardo Pitta pensa, e não está sozinho nisto, tem até a companhia de alguns que estão dentro do superior, que Bolonha reduz a duração das formações. Errado. Divide em ciclos, que é coisa diferente. Mas que tem consequências. Uma, é que em alguns casos o segundo ciclo de formação deixará de ser financiado pelo Estado. Outra, é que muitos abandonarão o superior terminado o 1º ciclo de formação. Eduardo Pitta, que continua a não estar sozinho nisto, acha que para caixa de supermercado ou funcionário de autarquia, isto chega. Quanto aos caixas de supermercado, o melhor é perguntarem ao Belmiro de Azevedo, se chega ou não. Quanto a funcionário de autarquia ou qualquer coisa pública similar, acho que temos para aí uns estudos que dizem que, entre outras coisas, uma das causas da ineficiência dos serviços públicos é a baixa formação dos seus funcionários.

Dois: o financiamento. Diz Eduardo Pitta que, ao que sabe, nenhuma universidade encosta as propinas ao tecto permitido. Eu também não sei, não andei a ver. Mas sei que a maioria dos politécnicos cobra o máximo que a lei permite, isso sei. E sei que isso não resolve o problema financeiro das instituições. Nem sequer discuto agora a bondade da lei, sei simplesmente que isso não resolve.
Mas o mais tipicamente liberal na posição de Eduardo Pitta, digamos assim, é mandar as universidades ver como se faz lá fora. Eu até vou dar de barato que o que se faz lá fora (e este lá fora é basicamente os Estados Unidos) é bom e acertado [que do meu ponto de vista não é, mas vou fazer de conta que sim]. Eu só queria que me dissessem onde é que cá dentro estão os milionários ou os quase-milionários ou as grandes empresas que podem ou fazer o mecenato ou comprar a quantidade de serviços às universidades que as possa sustentar. É arranjarem aí a lista que há muito Reitor que está farto de andar atrás disso como de agulha em palheiro.
De raspão, Eduardo Pitta diz que ouviu dizer que a Universidade do Minho é um bom exemplo de venda de serviços à comunidade. Pois... No longo reinado de Machado dos Santos, verdadeiramente o primeiro gestor das universidades públicas, venderam-se serviços, sem dúvida, angariaram-se projectos, sem dúvida, mas sobretudo proletarizou-se a docência [mais horas por menos docentes]. Financeiramente, os resultados foram bons: quando o Orçamento de Estado mal dá para os salários e se consegue poupar nos salários, há sempre uma folga. A investigação, coitada, é que lá se ressentiu um bocado. E a angariação de projectos lá começou a claudicar por causa disso. E a prestação de serviços começou a ter a concorrência de algumas unidades de Aveiro e do Porto, que se desenvolveram um pouco mais (a investigação sempre serve para alguma coisa, não é?..) e começaram a oferecer melhor produto ao mesmo preço. De modo que na campanha para o último mandato, já lá vão uns anitos, o gestor lá reconheceu que, “arrumada a casa”, era tempo de apostar mais decididamente na investigação e na excelência científica... Pescadinha de rabo na boca: a aposta custa dinheiro, mas só com essa aposta se pode ir buscar dinheiro, e nem sempre as coisas se equilibram.
Se me disserem que há instituições a mais, etc e tal, aí a conversa já é diferente. Pelo menos para mim. Redefinir a rede pública, eis a urgência. E a coisa política por excelência. Porque conheço muito pouca gente (e então a nível de reitores ou reitoráveis quase ninguém, e a nível de presidentes ou presidenciáveis do politécnico rigorosamente ninguém) que não ache a sua instituição absolutamente indispensável e a do vizinho nem tanto, para não dizer nada. Mas também, em boa verdade, não lhes cabe propriamente fazer esse trabalho. Se o Estado regula, que regule. Porque o problema da asfixia das universidades só em termos imediatos é das universidades. A não ser que se pense que essa conversa da sociedade do conhecimento é só conversa e que não há uma relação directa entre conhecimento e desenvolvimento [claro que isto já não é para o Eduardo Pitta mas para aqueles que se agarrarão ao seu post como taxistas: esses gajos do superior que não fazem um caracol etc etc e até se dão ao luxo de ter um blog etc etc].

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