Regressemos a Savinio, o crítico, e a Ibsen, o autor. Há uma questão de sinos a resolver. Sim, de sinos. Questão cruel, como veremos. Segundo a qual a repetição de uma coisa boa vale menos do que a invenção de uma coisa que até pode ser menos boa. Eu digo questão, porque para mim constitui de facto uma questão: o novo a todo o preço, ou o novo como razão maior, etc. Savinio não faz disto uma questão, antes uma afirmação. Há o Ibsen épico e o Ibsen burguês. O Ibsen épico é a repetição de um tipo de teatro e de mundo cujo molde já tinha sido estabelecido. Mas “quando surgiu o primeiro drama burguês de Ibsen, a saber Casa de boneca, soou um sino novo nos penetrais do palácio mental, acendeu-se uma luz nova no painel sinalizador, o cérebro do mundo sentiu-se rico, com uma riqueza nova.” Muito bem, subscrevo por inteiro. Mas tenho de perguntar: o sino tocou pelo drama burguês enquanto novidade, ou pela sua concretização em Casa de boneca? A minha resposta — não a de Savinio, que não responde propriamente a isto — está no monólogo de Molly Bloom, por exemplo. Os sinos também tocaram por essa corrente de consciência. E tocaram a preceito. Mas a verdade é que essa técnica não é primeiramente joyceana. Um obscuro autor inventou-a primeiro, um autor cujo nome fica nas notas de rodapé dos eruditos por ter canhestramente forjado aquilo que Joyce tornou emblematicamente seu. Não sou um erudito, não sei o nome desse autor, e tenho preguiça a mais para ir agora buscar ali o livro onde isso é dito. Mas sei que é assim, e o ponto é esse. Que os sinos não tocam a cada novidade enquanto novidade, mas a cada conseguimento. Quanto ao Ibsen burguês, dúvidas nenhumas: os sinos tocaram, o drama não acabou ainda.
Ibsen segundo Savinio e volta: terceiro excurso
Luís Mourão
27.6.06 |
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