- Mas que coisa louca é essa?!
- É a primavera, Leitora. E uma história muito de encantar. Género paradoxos terminais, de que falava o Kundera.
- Conte, conte.
- No princípio, a Berberian queria que as gentes finas, aquelas que proibiam os filhos de ouvir os Beatles porque ou era demasiado ruidoso ou era demasiado perigoso...
- ...e houve tempos desses?..
- ...claro que houve, não esteja agora a desconversar, sabe muito bem que houve...
- ...mas é que parece tão impossível!..
- Pois... Mas então a Berberian pediu que lhe reescrevessem as músicas dos Beatles segundo o estilo barroco ou elisabetiano, e começou a cantá-las nos seus recitais. Aí as pessoas diziam-lhe: “Mas aquela música é dos Beatles? Impossível! É tão bonita, tão melodiosa!” Depois as coisas mudaram.
- Mudam sempre, não mudam? É vasto estranha esta montanha russa, e habituamo-nos tanto que nem damos conta.
- É trivial, Leitora, se calhar até é uma lei da sobrevivência da espécie, sei lá.
- E então a sua Berberian continuou a cantar os Beatles?
- Exactamente da mesma forma, mas agora para provocar o riso, a gargalhada da música, a boa-disposição da música.
- E era a única maneira de ainda haver pachorra para ouvir os Beatles, não?
- Quase de certeza. E agora, pelo menos no que me diz respeito, de certeza absoluta. Mas funciona muito bem, devo dizer-lhe. É realmente a primavera.
- Mais do que isso. Aqui chegou aos trinta graus, tive de meter chapéu e manga-curta.
- Não era isso...
- Eu sei que não era isso... Ainda andam por aí uns restos de mau-humor das reuniões, certo? Mas voltando à sua Berberian: tudo funciona muito bem, estou de acordo, excepto o Yesterday. Demasiada reverência pela melodia, para meu gosto.
- Concordo. Só não sei se é reverência ou resistência pura e simples da melodia. Há mistérios assim, sabe?
- Se você o diz... E acha que posso avançar com o conceito quase-deleuziano de canção-cristal?
- Avance, Leitora, leia sempre.
- Apreensão simultânea das dimensões real e virtual de uma canção: tem-se o real na memória auditiva, e o virtual na variação sobre esse real.
- Com a possibilidade de a variação, digamos assim, às vezes tomar em definitivo o lugar do real.
- É a sucessão das estações do ano, nem mais. Acha que o João Paulo Sousa tem “afecções” para a sua Berberian?
- Seguramente. Aqueles “r” que ela canta com acento ostensivamente francês atingem qualquer um. Estou a vê-lo daqui a rir, eu que não o conheço a não ser destes posts seriamente intelectuais para os quais a blogosfera não tem qualquer pachorra.
- Presume, mais uma vez. Mas se estiver vagamente certo, deixe lá. A blogosfera também não terá maior pachorra para estes nossos diálogos.
- Nas tintas.
- Era o que eu queria dizer. Take a ticket to ride, my friend, a ticket to ride...
- É a primavera, Leitora. E uma história muito de encantar. Género paradoxos terminais, de que falava o Kundera.
- Conte, conte.
- No princípio, a Berberian queria que as gentes finas, aquelas que proibiam os filhos de ouvir os Beatles porque ou era demasiado ruidoso ou era demasiado perigoso...
- ...e houve tempos desses?..
- ...claro que houve, não esteja agora a desconversar, sabe muito bem que houve...
- ...mas é que parece tão impossível!..
- Pois... Mas então a Berberian pediu que lhe reescrevessem as músicas dos Beatles segundo o estilo barroco ou elisabetiano, e começou a cantá-las nos seus recitais. Aí as pessoas diziam-lhe: “Mas aquela música é dos Beatles? Impossível! É tão bonita, tão melodiosa!” Depois as coisas mudaram.
- Mudam sempre, não mudam? É vasto estranha esta montanha russa, e habituamo-nos tanto que nem damos conta.
- É trivial, Leitora, se calhar até é uma lei da sobrevivência da espécie, sei lá.
- E então a sua Berberian continuou a cantar os Beatles?
- Exactamente da mesma forma, mas agora para provocar o riso, a gargalhada da música, a boa-disposição da música.
- E era a única maneira de ainda haver pachorra para ouvir os Beatles, não?
- Quase de certeza. E agora, pelo menos no que me diz respeito, de certeza absoluta. Mas funciona muito bem, devo dizer-lhe. É realmente a primavera.
- Mais do que isso. Aqui chegou aos trinta graus, tive de meter chapéu e manga-curta.
- Não era isso...
- Eu sei que não era isso... Ainda andam por aí uns restos de mau-humor das reuniões, certo? Mas voltando à sua Berberian: tudo funciona muito bem, estou de acordo, excepto o Yesterday. Demasiada reverência pela melodia, para meu gosto.
- Concordo. Só não sei se é reverência ou resistência pura e simples da melodia. Há mistérios assim, sabe?
- Se você o diz... E acha que posso avançar com o conceito quase-deleuziano de canção-cristal?
- Avance, Leitora, leia sempre.
- Apreensão simultânea das dimensões real e virtual de uma canção: tem-se o real na memória auditiva, e o virtual na variação sobre esse real.
- Com a possibilidade de a variação, digamos assim, às vezes tomar em definitivo o lugar do real.
- É a sucessão das estações do ano, nem mais. Acha que o João Paulo Sousa tem “afecções” para a sua Berberian?
- Seguramente. Aqueles “r” que ela canta com acento ostensivamente francês atingem qualquer um. Estou a vê-lo daqui a rir, eu que não o conheço a não ser destes posts seriamente intelectuais para os quais a blogosfera não tem qualquer pachorra.
- Presume, mais uma vez. Mas se estiver vagamente certo, deixe lá. A blogosfera também não terá maior pachorra para estes nossos diálogos.
- Nas tintas.
- Era o que eu queria dizer. Take a ticket to ride, my friend, a ticket to ride...
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