Teses & Metáforas

— Veja lá se consegue enganar-se outra vez e liga para o André, parece-me que o rapaz está a precisar de uma palavra de conforto.
— Ele, que é tão animado?
— Há dias para tudo, Leitora. E quando há teses pelo meio…
— Estou a ver… E isso é também uma indirecta para mim?
— Não. Falaremos do seu projecto quando quiser, já percebi que é crescidinha e sabe tomar conta de si. Gostava de perceber melhor o que anda para aí a cirandar pelo Alentejo, mas também não é absolutamente necessário. Enfim, ligue ao André e diga-lhe da minha parte…
— … fazem de mim moça de recados, agora? Ele é do André para o Luís, ele é do Luís para o André, e lá se vai o meu infinito particular e os seus trabalhos e os dias. E não pense que me esqueci das Goldberg, ainda estou à espera de uma palavra sua sobre isso.
— Há tempo, Leitora, há tempo. E vá lá, conceda que uma voz feminina, uma voz como a sua, sempre é mais consoladora.
— Pensei que fosse mais importante o que se diz.
— Vá, não desconverse…
— E qual é o recado, então?
— Diga ao André que para o dia-a-dia de uma tese é muito importante escolhermos bem as metáforas com que lidamos com ela.
— A tese pode queixar-se, é?
— Estamos de mau-humor, hoje... Diga-lhe que metáforas sexuais para uma tese talvez não seja a melhor estratégia. Mesmo que fosse perito em sexo tântrico, corre sempre o risco de a coisa ficar curta... Pergunte-lhe se alguma vez praticou desporto, e se não, mande-o ir assistir a um treino do nosso Porto.
— Do vosso Porto, não me meta nisso.
— Claro, claro. Enfim, diga-lhe que o regime metafórico que melhores resultados tem dado nisto de lidar com teses é mesmo essa coisa da linguagem dos treinos. Insistência, paciência, exercícios específicos, criação de automatismos, e sempre todos os dias. Diga-lhe que com o Roth também é assim, mesmo se o Roth joga numa liga estratosférica.
— Muito bem, treino. E alguma vez se joga, para me manter na sua linha metafórica?
— Vai-se a júri, Leitora, ou já se esqueceu?
— Chama àquela cena o jogo?!
— Cada um na sua liga, minha cara. Mas olhe que à sua maneira o Roth diz o mesmo. E talvez o prazer, ou o jogo a sério, não esteja na tese, mas no podermos depois fazer outra coisa sem nos sentirmos culpados de não estarmos a fazer a tese. Por breve que seja, que haverá sempre outros trabalhos a seguir, ou no caso do Roth outras ideias que exigirão atenção, por mais breve que seja é divinal.
— Será... Mas tão breve... Estou a ver que este é mais um daqueles casos de elegância deceptiva da realidade.
— A elegância estará apenas na sua voz, Leitora. Percebe agora porque terá de ser você a ligar?..

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