— Não há dúvida, a sua lista de tarefas é maior que a minha lista para o supermercado. E quais são essas três partes em que dizia que ela se divide?
— Coisa clássica. Um terço era para fazer anteontem, outro terço ontem, e o resto hoje sem falta.
— E como se sente com isso?
— Quais são os adjectivos ou as descrições admissíveis numa situação destas?
— Não há regras para isso. Você nomeia, depois vemos como se consegue lidar com a nomeação.
— Era o que me parecia. Nada de revolução, apenas estratégias e estoicismo.
— Não teorize. Você não vem aqui nem por revolução nem por estoicismo, apenas para aprender o que já sabe, e para saber se o que sabe lhe vale de alguma coisa.
— E ainda se diz lá por fora que a sociologia é que é a ciência deceptiva!.. (pausa) Estes tempos são tão lixados como quaisquer outros, em algumas coisas menos, noutras coisas mais, mas são os meus tempos. E para já, tudo o que sei é que há aqui qualquer coisa que seguramente roça o absurdo, ou que é um paradoxo que custa caro. Por um lado, muito desemprego. Por outro, os empregados trabalham à sobreposse, o que se espera de nós é o rendimento próprio de um workaholic. E não me vai dizer que isso é a consequência típica da crise, quando há mais oferta do que procura, porque é e não é.
— A si o que lhe interessa mais, a parte que é ou a parte que não é?
— Interessa-me aguentar o que é, lutar contra o que não é, e saber distinguir entre ambos.
— Muito bem, está a parafrasear uma oração julgo que medieval.
— Sim?.. Numa terapia? Freud deve estar a pular de contente.
— Não haverá aí um excesso de idealização do lugar de deus?.. Quando alguém reza, há pelo menos uma pessoa que ouve, que é ela própria. Isso é tudo o que sabemos com certeza.
— E isso serve-me para quê?
— Nem de propósito, acabou o seu tempo. Vamos marcar a próxima sessão?
Terapia breve, 8ª sessão
Luís Mourão
7.4.06 |
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