— Ainda aí? Não me diga que assentou?
— Não assentei, mas vou estando sentada.
— Mas virá?..
— Sim, irei. Mas já agora deixo passar a páscoa. Isso aí no minho é foguete a mais.
— De facto. Nada se cala, tudo se estoura: é essa a divisa.
— Quanto à sua mensagem, nem sei que lhe diga.
— Não diga nada, não é preciso.
— Mas sempre lhe agradeço o ter-me contado. Não me vai desviar do meu caminho, aliás já tínhamos falado disso.
— Mudando de assunto. Que anda você a ler, que uma paisagem dessas não a distraia?
— Falaremos disso depois.
— Mas consegue concentrar-se com essa água imensa e o barco que passa? Não lhe foge o pensamento para a viagem? Pelo menos para a possibilidade dela?
— A leitura vai sempre mais depressa, mesmo quando vai mais devagar. Levanto os olhos de vez em quando, só para me certificar que o mundo continua aí, e às vezes puxá-lo um pouco até mim, para poder continuar sem sobressaltos.
— Puxá-lo até si?
— Eu disse isso, não disse? Nem sei bem porquê... Como se o mundo fosse um cão que levo pela trela, e cada um de nós se distraísse para seu lado.
— Um cão nunca se distrai, Leitora.
— Eu também não. Pelo menos, nunca como cão-leitora.
A Leitora, no seu infinito particular (IX)
Luís Mourão
11.4.06 |
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