Pois, desaceleremos a ênfase, então...


Sim, eu sei, há sempre um incauto da distinção simbólica que traz Homero debaixo do braço; ou um ascensorista da mobilidade cultural que rola os “rr” de re-ler Sófocles; ou um recém-chegado ao deslumbramento universitário que põe dedo em riste para nos espetar com o seu Proust ou Joyce ou qualquer coisa assim.
Mas aqui para nós, que ninguém nos lê, divirto-me a pensar que, de vez em quando, eles até devem ser apanhados pelo Homero ou pelo Sófocles. Já imaginaram o choque? Um gajo a pensar que tem ali um capital de grande multiplicação e sai-lhe uma beleza inútil acompahada de umas quantas interrogações que vai levar a vida inteira a remoer. Cómico. E como desacelerador de ênfase, estamos falados...
E porquê ler Pedro Paixão quando ainda não se leu todo o Homero? Pois, ainda por cima o Pedro Paixão... Mas mesmo assim. E se for, por exemplo, porque há um conto que se chama “Amor portátil”, em que eles combinam que só se falam ao telemóvel, nunca se encontram etc e tal, que é assim uma sexualidade de não-contacto própria da era da sida e da tecnologia das comunicações? Sei lá, tipo coisas que não havia nos tempos de Homero, que nos afectam, e que precisamos de pensar. Que me dizem, será uma razão aceitável?
Oh, e essa pergunta pela fronteira a partir da qual fica bem ler-se e mal se do outro lado!.. Mas não está , já se sabe, somos nós que a transportamos, e é por isso mesmo que um juízo sobre o paulo coelho ou a rebelo pinto é um juízo sobre a nossa pessoazinha muito própria, a de pôr na lapela, pois claro, mas também a de trazer por casa, naquele descuido em que somos quem não pensamos ser. Como é que é mesmo aquela coisa? Diz-me o que gostaste de ler, dir-te-ei o quê? Pois. Eu até li. Porque tenho montes de alunas que à perguntinha pelos autores muito lá de casa arrolavam o argumento desses nomes. Tive de ler. Para perceber porquê. E para estudar com elas até a coisa começar a mostrar os seus limites e se tornar necessário — que sei eu? — recorrer a uma página de Proust ou de Homero. Portanto, eu tive de ler. E sempre direi que são coisa literária inócua. Mas socialmente falando... (agora tinha de começar no marx e ir por aí acima, até chegar àquelas coisas do género e dos pós-coloniais... naa, é demasiada ciência social...) E isto é só para desacelerar a ênfase, porque no fundo estamos fartos de saber que é assim, nem era preciso realmente ler, bastava folhear...
Bom, venha de lá o jornal desportivo, sempre é prosa chã e limpa — e às vezes fulgurante, como o diabo de um golo inventado só na hora de havê-lo.

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